ODISSÉIA

Uma investigação pessoal sobre Psicologia Humanística e Transpessoal

KEN WILBER1982

No meu primeiro ano de faculdade (Duke), tive a oportunidade de me deparar com um livro bem pequeno cujas frases iniciais eram:

O Caminho que pode ser verbalizado não é o Caminho eterno.
O nome que pode ser falado não é o nome eterno.
O Indizível é a origem do Céu e da Terra.
O Nomeado não é senão a mãe de dez mil coisas.
Em verdade, somente aquele que livra-se para sempre do desejo pode ver as Essências Secretas;
Aquele que nunca livrou-se do desejo somente pode ver as Consequências.
Essas duas coisas provêm da mesma Fonte; todavia são diferentes na forma.
Essa Fonte só pode ser chamada de Mistério,
A Porta entreaberta de onde emergem todas as essências secretas.
- Lao Tsé, Tao-te Ching

Eu nunca tinha sido exposto a tais idéias antes. Ou talvez devesse dizer, se em alguma ocasião vi tais palavras, elas não me impressionaram de modo algum. Até aquele ponto da minha vida estava totalmente envolvido pela ciência (física, química, biologia e matemática). Na minha adolescência fui bastante rebelde e criador de casos para ser considerado normal e saudável; todavia, minha primeira lembrança de satisfação intelectual foi comprar um livro de química aos dez anos e meus momentos mais felizes foram passados em vários laboratórios que montei em casa. No final do segundo grau e no início da faculdade, bebi também bastante cerveja e tornei-me suficientemente obcecado por garotas para, novamente, ser considerado normal e saudável. Entretanto, minha verdadeira paixão, meu demônio interior, era a ciência. Formei um self construído na lógica, estruturado pela física e movido pela química. Fui precocemente bem sucedido nesse mundo, ganhando numerosos prêmios e menções honrosas; entrei para a faculdade com a idéia de manter esse sucesso e extrapolá-lo para o destino de uma vida. Minha juventude mental era um idílio com a precisão e a exatidão, uma fortaleza do claro e do evidente.

E assim, à medida que fui lendo o primeiro capítulo do Tao-te Ching era como se, pela primeira vez, estivesse sendo apresentado a um mundo totalmente novo e drasticamente diferente – um mundo além dos sentidos, um mundo fora da ciência e, portanto, um mundo muito além de mim mesmo. O resultado é que essas antigas palavras de Lao Tsé me tomaram de surpresa; pior, a surpresa recusava-se a dissipar-se e minha completa visão de mundo começou a sofrer uma mudança sutil mas drástica. Em um período de poucos meses – meses que passei em leituras introdutórias do Taoismo e do Budismo – o sentido da minha vida, como eu o pensara, simplesmente começou a desaparecer. Oh!, não foi nada dramático; foi mais como se, ao acordar uma manhã, após vinte anos de casamento, descobrisse "de repente" que não amava mais minha esposa (nem ao menos a reconhecia). Realmente, não houve nenhum aborrecimento, nenhuma amargura, nenhuma lágrima – apenas a percepção tácita de que era hora de separar-me. Apenas isso: o velho sábio havia tocado uma corda tão profunda em mim (e muito mais forte devido a uma repressão de vinte anos) que acordei, repentinamente, para o entendimento silencioso, mas seguro, de que meu antigo self, minha vida anterior e minhas velhas crenças não poderiam mais ser energizadas. Era hora da separação.

O ESPECTRO DA CONSCIÊNCIA

A separação em si, embora não enlouquecedora ou frenética, foi certamente estressante em alguns momentos, especialmente com relação a amigos, família e colegas, muitos dos quais pensavam que Krishnamurti era um comunista e Bodhidharma um pagão, ou pior, um "ateu agnóstico", e, de algum modo, imaginavam que tudo isso levaria meus filhos a crescer cantando "Buda me ama, isto eu sei....". Mas minha separação era séria. Intelectualmente, iniciei uma empreitada obsessiva de leitura, devorando livros de filosofia oriental num ritmo alucinante. Cortei aulas de química para ler o Bhagavad Gita; matei aulas de cálculo para estudar a Cabala. Fui apresentado a Huxley e aos psicodélicos, Watts e Beat Zen. Era como se minha prévia vida de "repressão do sublime" tivesse criado, como diria Hegel, uma causalidade do destino que agora me compelia a restabelecer o equilíbrio com uma seriedade quase patológica.

Abandonei Duke e voltei para Nebraska, onde meus pais estavam servindo (na Força Aérea), mas rapidamente "realistei-me" na faculdade a fim de evitar a convocação que, naquele período de vietnamização, tinha de ser evitada a qualquer custo. Os dois anos seguintes foram gastos, quase literalmente, em leitura e pesquisa solitária, oito a dez horas por dia. Havia decidido formar-me em química e biologia, simplesmente porque eram tão fáceis para mim que não precisaria perder tempo estudando-as, e poderia, ao invés, usar cada hora fora das aulas para dedicar-me a filosofia e religião orientais, psicologia e metafísica ocidentais. Irresponsavelmente, consegui me formar com honras suficientes para obter uma bolsa de estudos na Universidade de Nebraska (Lincoln) em bioquímica/biofísica; ao longo do meu primeiro ano de pós-graduação, não fiz outra coisa senão continuar a ler, estudar e tomar notas – e os nomes em meus cadernos não eram Krebs, Miller, Watson ou Crick, mas Gaudapada, Hui-neng, Padmasambhava e Eckhart.

Mas esse período de intensa absorção intelectual, com certeza, começou a valer a pena, não só por recuperar algum tipo de significado para minha vida, como também por ajudar-me a modelar uma síntese conceitual rudimentar das várias escolas de psicologia, terapia e religião, orientais e ocidentais, que vinha perseguindo tão obsessivamente. Esses dois resultados, o propósito moral do significado e o propósito intelectual da síntese, eram necessários para minha própria peregrinação pessoal; não eram meros assuntos colaterais ou curiosidades intelectuais. Não estava fazendo isso em busca de um título universitário, uma carreira, uma cátedra, ou mesmo um afago na cabeça. Estava fazendo porque sentia que devia fazê-lo; para mim era a busca do Graal, e este era o ponto crucial da motivação que existia, sob forma de semente, no primeiro encontro com Lao Tsé, naquele primeiro ano de faculdade; exatamente por isso, o velho sábio me fascinou.

É uma catástrofe intelectual que o conceito de telos tenha sido apagado da psicologia moderna; filósofos desde Aristóteles até Hegel achavam impossível compreender o universo sem telos. Se realmente o universo é interpenetrante e interdependente em todos os aspectos, então, não só o passado modela o presente, como também o futuro modela o presente, do mesmo modo que uma corrente elétrica não deixará um terminal até que o outro terminal distante seja conectado. Isso mesmo, este propósito moral e intelectual, a síntese inicial da psicologia oriental/ocidental a que cheguei por tentativas, quatro anos após meu primeiro encontro com Lao Tsé, parece que funcionou como uma semente-telos, uma chamada do amanhã que puxou minhas ações futuras, do mesmo modo que a causalidade do destino empurrou minhas ações passadas. E este puxa-empurra culminou, nesse período, em minha primeira descoberta importante, uma síntese intelectual que, pelo menos para mim, tinha um sentido profundo. Logo em seguida escreveria os resultados dessa síntese e os publicaria como The Spectrum of Consciousness (1977).

Mas dizer que Spectrum era uma síntese intelectual não significa que ele era somente intelectual ou que estava divorciado das transformações pessoais que vinham ocorrendo em minha vida. Muito pelo contrário. Para começar, quando deixei Duke, com as minhas antigas estruturas de crença terrivelmente abaladas, estava, no sentido mais simples da palavra, infeliz. Não profundamente deprimido, não clinicamente triste, nem mesmo sombriamente melancólico – simplesmente infeliz. Esta infelicidade simples é realmente o sentido para o qual Buda Gautama usa a palavra dukkha; embora ela seja usualmente traduzida como "sofrimento", significa mais precisamente "amargura". A primeira verdade de Buda: a vida normalmente vivida é amarga e o primeiro passo no caminho da libertação é despertar para essa amargura.

A vida para mim estava amarga; era infeliz. E, em parte, estava obcecado pela leitura de todos os grandes psicólogos e sábios porque procurava uma saída para essa vida amarga; a leitura era motivada, em resumo, pela necessidade de uma terapia existencial pessoal. O ponto era que estava "lendo tudo" porque estava tentando, mental e emocionalmente, juntar numa estrutura completa tudo que sentia ser necessário para minha própria salvação. Estava particularmente atraído por Perls, Jung, Boss e os existencialistas; Norman O. Brown, Krishnamurti, Zen, Vedanta e Eckhart; os tradicionalistas Coomaraswami, Guénon e Schuon, mas também por Freud, Ferenczi, Rank e Klein – não se poderia imaginar um grupo mais heterogêneo. E já se pode antever o problema: à medida que estudava todas as diferentes autoridades que propunham-se a dizer-me como tornar-me feliz na vida, eu ficava confuso porque todas discordavam entre si. Assim, ao invés de tornar-me meramente infeliz, fiquei infeliz e confuso. E para passar do estado infeliz para o feliz, pareceu-me que, primeiro, teria de passar do estado confuso para o ordenado.

Esta foi minha motivação enquanto agonizei por meses sobre dúvidas como: "Se os freudianos estão certos e a força do ego é o paradigma da saúde mental, como é que os budistas podem afirmar que a ausência do ego é o estado mais elevado?" "Se os comportamentalistas estão corretos e o condicionamento histórico do passado é a chave para todos os problemas, como pode Perls afirmar que somente o aqui-e-agora é significativo?" "O Vedanta diz que a Testemunha transcendente é o mais elevado de todos os estados, mas o Zen afirma que ela é a mais sutil de todas as ilusões; quem está certo?" Não é de admirar que o conceito de dissonância cognitiva de Festinger fizesse tanto sentido para mim.

Já havia naquela época (início dos anos 70) diversos livros e artigos que faziam comparações e avaliações de escolas orientais e ocidentais de psicologia/terapia. Na maior parte, entretanto, não os achei de muita utilidade, porque seus autores, invariavelmente, escolhiam lados e, então, sentiam necessidade de denunciar cuidadosamente (embora algumas vezes de maneira sutil) a visão oposta. Por exemplo, se a discussão versava sobre os méritos de Freud versus Zen, o autor, se freudiano, definiria o Zen como um treinamento em esquizofrenia catatônica, enquanto o autor orientado pelo Zen definiria Freud como o campeão da ilusão dualística. Da minha parte, simplesmente não podia acreditar que nenhuma mente de gênio (como Freud ou Buda) pudesse produzir somente inverdades ou erros. Isto era inconcebível para mim. De preferência, se tivesse que tirar uma primeira conclusão, a única possível seria: Freud estava parcialmente correto; Buda estava parcialmente correto; e o mesmo valia para Perls, Kierkegaard, os existencialistas, os comportamentalistas. E foi nessa base experimental que prossegui. Defrontamo-nos não com vários erros e uma verdade, mas sim com várias verdades parciais, e como encaixá-las coerentemente é, então, o quebra-cabeça supremo.

Em minha própria prática – minha praxis – isto me ocorria diariamente. Por um lado, vinha praticando o zazen seriamente por um ano ou dois e estava cada vez mais sendo influenciado pelo ponto-de-vista do Budismo Mahayana como um contexto abrangente. Por outro lado, estava sendo completamente atraído para as terapias existenciais (particularmente a terapia da Gestalt), não só por técnicas específicas para tratar meus próprios conflitos, como também por pistas intelectuais para a dinâmica da psique. Mas, independentemente do que os psicólogos pop dissessem, esses dois sistemas (Zen e Gestalt) não apresentavam nenhuma similaridade. Certamente eles compartilhavam algumas poucas coisas ("esteja aqui agora", ênfase na consciência etc.) mas além disso, Perls estava muito mais próximo de Freud do que de Buda (e Freud e Buda tinham muito pouco em comum). Penso que a maioria das pessoas, ainda hoje, não percebeu que Perls era basicamente pop-Freud; um pop-Freud brilhante, com certeza, mas, de qualquer modo, um pop-Freud. O sistema completo de Perls operava com introjeção, projeção e retroflexão (repressão), reativadas no cliente através de transferência de grupo, manifestadas por resistências-fugas, e trabalhadas pelo terapeuta via análise– todos conceitos freudianos, adequadamente modificados e adaptados para terapia breve.

Não me entendam mal: tinha, e ainda tenho, imenso respeito (e débito) pelo que Perls fez. Somente estava acontecendo que minha vida vinha sendo vivida em dois planos: um plano pessoal, onde lutava com minhas projeções, introjeções, retroflexões e tudo o mais, seguindo a linha da Gestalt; e um outro plano, transpessoal, na linha Zen, onde me despreocupava de tudo isso e deixava que fluísse através de mim na meditação, à medida que cessava toda intencionalidade psíquica.

Já estava começando a perceber, intelectual e pessoalmente, que a consciência podia ser dividida em dois grandes domínios: o pessoal e o transpessoal. Logo descobriria que isso é o que Assagioli chamou de psicossíntese pessoal e psicossíntese transpessoal. Ou era a distinção de Jung entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. Assim, aceitei essa primeira importante cartografia da consciência: o pessoal versus o transpessoal.

Em seguida, cheguei à minha primeira regra básica para tentar entender o que aceitar como válido nas teorias: aceitar como possivelmente verdadeira qualquer coisa que uma teoria pessoal diga sobre a esfera pessoal e o que uma teoria transpessoal diga sobre a esfera transpessoal, mas ser muito cuidadoso quando houver superposição das mesmas. Freud e sua histeria sobre religião em O Futuro de uma Ilusão é um exemplo de uma teoria pessoal transbordando para uma dimensão transpessoal. Por outro lado, embora os transpersonalistas, teoricamente, devessem transcender mas incluir a teoria pessoal, frequentemente me deparei com o oposto: eles estavam tão furiosos com o tratamento dispensado por Freud aos domínios mais elevados que rejeitavam tudo que Freud havia dito, mesmo sobre a esfera pessoal, o que não é senão uma falha em reconhecer uma verdade inferior e parcial precisamente no domínio em que ela é verdadeira. Assim, ao ignorar as verdades desagradáveis que Freud havia revelado sobre os domínios inferiores e infantis, esses transpersonalistas (e humanistas) propuseram visões do desenvolvimento da infância que eram um evidente mingau romântico. Homens e mulheres eram vistos não como uma mistura de animais e anjos, mas sim como uma de doçura e luz, uma visão tão distorcida, no sentido oposto, quanto a de Freud.

Esta simples cartografia de dois níveis permitiu-me também encaixar os insights do existencialismo e do transcendentalismo ou, por exemplo, Sartre e Shankara. Os existencialistas ressaltavam que onde quer que haja um self individual, há angústia, sofrimento, o terror de existir e o terror da morte. "A arqui-ansiedade essencial, básica, é inerente a todas as formas isoladas, individuais, da existência humana. Na sua angústia básica, o ser humano tem medo de, bem como fica ansioso com, 'estar-no-mundo.'" escreveu Boss (1973). Isto não é terror neurótico, mas um terror inerente, e a sua percepção não é doentia mas sim verdadeira. De fato, a falha em compreender esta angústia inerente é alcançada somente pela negação ou repressão da real e precária natureza da existência. Não é a ansiedade que é neurótica e sim a complacência. O self feliz é o self doente, o self que "tranquiliza-se com o trivial", como colocado por Kierkegaard; ou a pessoa inautêntica, disse Heidegger, é aquela que não tem consciência da morte inesperada e solitária.

Mesmo Freud logo chegaria a esse entendimento, pois como finalmente colocou: "É a ansiedade que causa repressão e não, como eu pensava, a repressão que causa ansiedade." Em outras palavras, angústia é o estado básico do self individual, e, então, o self individual estimula a repressão em resposta à ansiedade, a fim de proteger-se do terror da morte, do não-ser, da nulidade. Como afirmou Becker (1973): "A consciência da morte é a repressão básica, não a sexualidade." A neurose fundamental não é causada por uma confiança em muletas mentais, mas, em primeiro lugar, por uma incapacidade para criar muletas em quantidade suficiente. Como Rank ressaltou, a neurose "sempre é, no fundo, a incapacidade para a ilusão" – incapacidade para fingir que a morte não existe, incapacidade para esconder o crânio que, como disse William James, brevemente sorrirá no banquete.

Então, os existencialistas, como o epítome da teoria personalista, vislumbraram precisamente a natureza da existência do self-individual. Eles diagnosticaram perfeitamente a humanidade e o diagnóstico foi angústia. Ao verem que a ansiedade vem antes da repressão, eles não puderam mais definir a angústia como meramente neurótica ou anormal. Ao contrário, ela era básica; era, antes de tudo, algo inerente ao sentido do self-individual e não algo causado por treinamento falho para ir ao banheiro ou algo de que o self poderia ter se livrado se mamãe e papai tivessem sido bons para ele. Era existencial e não meramente circunstancial. Do mesmo modo, a neurose (ou neurose fundamental) não era causada pela repressão mas pela falha em reprimir; não "quanto mais repressão, mais neurótico e infeliz"; ao contrário, "quanto menos repressão, mais infeliz", simplesmente porque menos repressão significava uma pessoa aproximando-se mais da verdadeira natureza da realidade e da existência, e esta natureza é angústia, a vida amarga, o self infeliz, o self que, inerentemente, é anicca, anatta, dukkha (impermanente, insubstancial, amargurado).

As tradições místicas ou transpessoais concordam com esse diagnóstico – o self individual, o sujeito separado dos objetos, depara-se necessariamente com dukkha ou amargura-angústia. "Sempre que há outro, há medo." ensina o Upanishads (vide Hume, 1974). "O inferno são os outros." rebate Sartre. Entretanto, as tradições transpessoais afirmam que há uma caminho de saída para o sofrimento, para o pecado e para a doença chamada self. É verdade, elas confirmam, que onde há outro, há medo e onde há o self, há angústia, mas é possível transcender-se o medo e a angústia, transcendendo-se o self e o outro. Nada que o self possa fazer acabará com a angústia porque o self é angústia; somente se transcende a angústia morrendo para o self – ambos ascendem e caem juntos.

Portanto, diz-se que a realidade suprema é "não-dual", o que pode ser entendido como ela estando além da dicotomia do sujeito e do objeto ou como sendo a união do sujeito e do objeto. O ponto é que a descoberta dessa unidade última, ou Identidade Suprema, é uma libertação da sina de ser um self individual. Ao vislumbrarmos que o self e o outro são um, libertamo-nos do medo de viver; vendo que o ser e o não-ser são um, libertamo-nos do medo de morrer. Neste ponto – mas não antes – o indivíduo não precisa mais reprimir a morte; pois "a morte perde seu ferrão." Descobrindo o Todo, ele ou ela libertam-se do destino de ser uma parte.

Assim, não só as tradições transpessoais entenderam o diagnóstico da humanidade – angústia, dukkha, terror da morte – como foram além dos existencialistas e descobriram a prognose da humanidade, a cura para a doença em si. A palavra para prognose em sânscrito é prajna (prajna = pró-gnose), e é prajna, ou insight transcendente, que estilhaça as correntes de samsara, de dukkha, de sofrimento e angústia. E é prajna – pró-gnose, insight gnóstico, jnana – que é ativado e mantido em todas as verdadeiras formas de meditação e contemplação. Portanto, os transpersonalistas foram além, mas incluíram os existencialistas.

Então, passei a entender, de modo vívido, a conclusão lógica das caixas chinesas. Vocês já devem ter visto um conjunto dessas caixas de brinquedo. Cada caixa é um pouco maior que a anterior, de modo que a anterior cabe dentro dela. Com efeito, a conclusão tirada da ilustração desse brinquedo é que se um sistema filosófico pode abraçar outro, mas não vice-versa, então o sistema mais abrangente é o mais válido. Assim, do mesmo modo que a Física Newtoniana é um subconjunto da Física Einsteiniana, o existencialismo é uma caixa chinesa menor, parcial e incompleta, mas correta em seu domínio, que é envolvida pela caixa maior dos trancendentalistas (mas não vice-versa). Esta conclusão seria a pedra fundamental de toda a minha teorização subsequente e permitiria que eu estabelecesse claramente uma hierarquia, não somente em filosofias e psicologias, como também em níveis de consciência e de existência.

Aquela cartografia de dois níveis – pessoal versus transpessoal – naturalmente era um mapa muito rudimentar, como logo ficou óbvio para mim. Pois, mesmo na esfera pessoal, diferentes escolas de psicologia/terapia estavam em gritante desacordo. Em particular, de um lado havia toda a escola da psicologia do ego (não só a psicologia analítica do ego como também a psicologia cognitiva do ego) e do outro lado a completa Terceira Força da psicologia/terapia humanístico-existencial. Quanto mais as estudava, mais profundamente suas diferenças se mostravam. Na verdade, comecei a me perguntar se todas essas diferentes escolas estavam realmente estudando o mesmo ser humano. Parecia muito mais provável que o mundo fosse realmente habitado por quatro ou cinco espécies humanas totalmente diferentes e que cada uma dessas escolas tivesse, simplesmente, separado os representantes de cada espécie e construído suas teorias em torno deles. Havia o Homo assassino, o Homo erógeno, o Homo condicionado, o Homo potencial total, o Homo transcendente – mas ninguém parecia estar falando sobre o Homo sapiens. (Logo vislumbraria uma possível razão para isso, baseada em mais aplicações das caixas chinesas.)

Por enquanto, concentrei-me no delineamento dos papéis das psicologias do ego versus as psicologias humanístico-existenciais, focalizando especialmente como cada uma via a natureza e a função da psicoterapia. Nos termos mais simplistas possíveis, as psicologias do ego pareciam ter como objetivo "tornar o inconsciente consciente" ou reagrupar no ego os aspectos da psique que se haviam separado ou dissociado devido a dificuldades ou complicações no desenvolvimento passado. Usando termos junguianos, conceituei isto como: a persona (ou auto-imagem fraudulenta) pode voltar a unir-se com a sombra (ou inconsciente pessoal reprimido) de modo a permitir a emergência do ego total (ou auto-imagem precisa, força adequada do ego e assim por diante). Teoricamente, isto era quase tão simples quanto: persona + sombra = ego.

As terapias humanístico-existenciais não negavam esta equação; muitas, inclusive, faziam uso explícito dela (Perls, por exemplo). Mas, de certa forma, pareciam também ir além desta equação e falar sobre os potenciais do organismo total, potenciais que suplantavam quaisquer das suas partes, seja a persona, o ego, o id ou o superego. Por exemplo, Rollo May (1969): "Nem o ego, nem o inconsciente, nem o corpo podem ser autônomos. Pela sua própria natureza, a autonomia só pode ser encontrada no self centrado. Logicamente, bem como psicologicamente, devemos ir atrás do sistema ego-id-superego e esforçarmo-nos para entender o "ser" do qual eles são expressões." Note que May não nega a existência do ego-id-superego; simplesmente a vê como a expressão de uma unidade mais profunda ou self mais profundo, o ser total. Assim havia aí uma caixa chinesa; o organismo total incluindo o ego-id-superego, mas não vice-versa. Então, comecei a chamar esse nível mais profundo de "centauro" (um termo da mitologia primeiramente usado por Benoit [1955] para indicar a unidade completa do homem-mente com o animal-corpo, e também por Erikson com um significado similar).

Assim, se tivéssemos que declarar o objetivo geral das terapias humanístico-existenciais em uma frase, poderia ser: elas objetivam fazer ressurgir e realizar completamente o self centáurico. Como o estudo de James Broughton revelou, as personalidades mais completamente desenvolvidas viam "tanto a mente quanto o corpo como experiências de um self integrado", e este self integrado, o centauro, era exatamente o paradigma das terapias humanístico-existenciais (Loevinger, 1977). Posteriormente, eu subdividiria essas terapias em duas classes, noética e somática, dependendo de como elas abordavam predominantemente o centauro através da mente (Rollo May, Binswanger) ou através do corpo (ioga, Rolfing). Mas o ponto essencial se mantinha: unir o ego-mente e o corpo-soma de modo a fazer ressurgir uma identidade total com o centauro. Como colocado por Perls (1951): "O objetivo é expandir a fronteira do que você aceita como você mesmo para incluir todas as atividades orgânicas." Aqui, a equação era: ego + corpo = centauro.

Obviamente, essas eram generalizações muito simples; todavia, mostraram-se extremamente úteis para o desenvolvimento de outras generalizações. Por exemplo, já conseguia ver a diferença entre a ansiedade-culpa neurótica e a ansiedade-culpa existencial; a primeira era causada por temor da sombra; a segunda, por temor da diversidade geral do mundo. A causa da primeira era uma divisão interna do sujeito; a da segunda, a prévia separação entre sujeito e objeto. (E, assim, para fechar nossa conta com Freud, ambas as visões estão parcialmente corretas: a ansiedade primária é existencial e dada, e é essa ansiedade primitiva que, em última instância, causa a repressão da sombra – mas a repressão da sombra, então, leva a ansiedade excessiva, ansiedade excedente ou ansiedade neurótica em si mesma.) E mais, essas simples generalizações também me levaram, dentro da esfera pessoal, a três grandes níveis do ser ou da consciência: o nível da persona, o nível do ego e o nível do centauro.

A partir desse ponto, foi um passo muito pequeno compreender como as tradições místicas se encaixavam em um esquema global. A psicanálise objetivava unir a persona e a sombra para revelar um ego inteiro e saudável; indo mais fundo, as terapias humanísticas objetivavam unir o ego e o corpo para revelar o centauro total. Do mesmo modo, as tradições místicas iam ainda mais fundo e objetivavam unir o centauro e o cosmos para revelar a Identidade Suprema, uma "consciência cósmica", como Bucke muito bem colocou.

O quadro completo girava em torno do senso de identidade de cada um ou onde, com efeito, cada pessoa traçava suas fronteiras. Pois cada nível inferior de consciência parecia ser construído por sucessivos estreitamentos, restrições ou limitações da consciência; o eu tornava-se menor e menor, por assim dizer, e o não-eu, maior e maior. Assim, no nível da Identidade Suprema, o eu de cada um é o Todo (isto é, a clássica união mística). No nível do centauro, o eu é o organismo, mas o resto da manifestação – o meio-ambiente "lá fora" – aparece como não-eu. No nível do ego, o eu é a psique, mas, além do meio-ambiente, o soma aparece como não-eu ("Eu tenho um corpo", uma posse, e, embora, as posses possam ser "minhas", elas não são "eu", elas não são o eu). No nível da persona, o meio-ambiente e o corpo e a sombra aparecem como não-eu, e, uma vez que "onde há outro, há medo", cada novo passo também cria novos medos, novas doenças, novas patologias. Exceto pelo último nível da Totalidade, o espectro da consciência é um espectro de patologias.

Ao mesmo tempo que lutava com essas várias prioridades, comecei a intensificar meus estudos sobre filosofia/psicologia orientais e tradições místicas em geral. A primeira coisa que ficou óbvia para mim foi que existem pelo menos dois diferentes subdomínios na esfera transpessoal ou, se preferirem, dois graus de transcendência. O grau mais baixo é o da testemunha transcendente. Nesse estado, a consciência transcende a mente, o corpo, o ego, o centauro e simplesmente testemunha as flutuações desses domínios inferiores. Isto é similar ao que Maslow chamaria de uma experiência de platô; ou que os hindus chamam de savikalpa samadhi; ou que o Budismo Mahayana chama de alaya-vijnana. Mas além desse nível de transcendência, há um estado supremo e radical, onde não se testemunha mais a realidade, transforma-se na realidade. A testemunha transcendental colapsa em tudo que é testemunhado, alto ou baixo, sagrado ou profano, e desaparece como uma entidade separada. No primeiro estado, o self profundo intui a Divindade; no estado supremo, o self mais profundo abre-se para a Divindade, e isso é a Suprema Identidade (bhava samadhi, sahaja samadhi etc.).

Bem, chamei o primeiro estado de faixas transpessoais (a identidade ainda não é una com o Todo, mas, por outro lado, não está confinada apenas ao organismo individual) e o estado superior, de Mente universal. Esses termos não foram exatamente escolhas felizes, mas os domínios ou níveis a que se referiam eram suficientemente reais e distintos. Adicionando esses dois níveis transcendentais aos níveis da esfera pessoal obtive uma hierarquia de cinco níveis de consciência, um espectro da consciência. Cada nível possuía suas características próprias – suas necessidades, seus potenciais e suas doenças. Esse esquema ajustava-se à hierarquia de necessidades de Maslow e, mais ainda, combinava muito especificamente com as cartografias esotéricas contidas nas grandes tradições místicas do mundo (os koshas do Hinduísmo Vedanta, os vijnanas do Budismo Mahayana, a sefirot da Cabala, e assim por diante). Agora ficava claro o porquê de tantas diferentes terapias, orientais e ocidentais. Não é que elas estivessem tratando o ser humano de diferentes ângulos; elas estavam analisando diferentes níveis do ser humano por diferentes ângulos e, portanto, não eram contraditórias e sim largamente complementares. E tudo isso, mais ou menos, foi apresentado em The Spectrum of Consciousness.

CONSCIÊNCIA PROTOPLÁSMICA

O ano seguinte foi um período de grande transição para mim. Estava aprofundando meu compromisso com o estudo e a prática do Zen. Meditava diariamente (três horas) e uma vez por mês fazia uma sessão de dia inteiro, sozinho ou com outros. Casei-me com minha melhor amiga, Amy, e abandonei o curso de pós-graduação, interrompendo meu doutorado e tirando um mestrado (principalmente porque agora queria dedicar todo o meu tempo na elucidação do espectro e na prática do Zen). Foi difícil para muitos dos meus amigos, família e colegas entender por que eu não me mantinha no ambiente universitário – se não em ciência, pelo menos em filosofia ou psicologia. Com a publicação de Spectrum apareceram ofertas para dar aulas, mas recusei. Não é que desgostasse de dar aulas ou que sentisse, como William Irwin Thompson, que a academia estivesse completamente desvirtuada. Sabia que se ensinasse este material o dia todo, ainda assim chegaria em casa e trabalharia nele a noite inteira, com consequências desequilibrantes. Além disso, estava profundamente envolvido pelo conceito Zen de honrar as atividades mais humildes, mesmo, ou especialmente, o trabalho manual "inferior". Porque queria valorizar esta postura de equilíbrio, procurei deliberadamente e assumi empregos de trabalho manual em tempo parcial: como atendente de posto de gasolina, lavador de pratos, vendedor de armazém. Daí em diante, minha esposa passou a apresentar-me como "o mundialmente famoso autor e lavador de pratos."

Nem preciso dizer que toda essa situação foi um treinamento extraordinário. Foi um treinamento primeiro, e principalmente, em humildade. Esqueça a formação acadêmica, esqueça os livros e artigos, esqueça os títulos, esqueça realmente tudo e lave pratos por vários anos. Também foi um treinamento em manter os pés no chão, em viver o mundo de uma maneira imediata, concreta, tangível, não através de palavras, conceitos, livros ou cursos. E o mais perturbador para mim, foi um completo treinamento na vida daqueles que somente podem ter esses empregos simples como meio de subsistência, sobrevivendo com salários ínfimos. Vivi e trabalhei com dúzias de almas que trabalhavam duro e eram abertas e decentes, mas cujos destinos as recompensavam apenas com futuros sombrios e com corpos que envelheciam prematuramente devido à tensão física. Não há outra maneira de se dizer isso sem parecer piegas, assim direi apenas que saí dessa situação com um sentimento compartilhado de humanidade, de íntima fraternidade, algo que nenhum livro e nenhuma universidade poderiam ter-me proporcionado.

Este arranjo (trabalho-estudo-meditação) proporcionou-me o equilíbrio (corpo-mente-espírito), a flexibilidade e o tempo de que precisava para desenvolver minhas pesquisas. A primeira coisa que fiz nesta "atmosfera livre" foi escrever uma versão popular para Spectrum chamada No Boundary (1979) . Em seguida, dediquei-me a uma elaboração mais precisa do modelo do espectro. Sendo mais específico, em The Spectrum of Consciousness concentrei-me quase que somente nas estruturas básicas da consciência; assim, voltei-me para o desenvolvimento e a dinâmica básica dessas estruturas (enquanto, ao mesmo tempo, refinava e expandia meu entendimento das mesmas).

Por essa época, houve uma virtual explosão de várias "cartografias da consciência": a pesquisa de Grof com psicodélicos vinha sendo cada vez mais aceita como um trabalho legítimo e não como um produto de "alucinações com ácido"; o trabalho de Maslow sobre a hierarquia das necessidades estava sendo rapidamente entendido; Huston Smith (1976) apresentou um estudo definitivo demonstrando de uma vez por todas que o cerne das grandes religiões do mundo era uma hierarquia de consciência; e também havia Green e Green, Tiller, Goleman, Tart, Houston e Masters, Battista, Welwood, Metzner e meu próprio trabalho sobre o espectro – o ponto mais notável era que todas essas cartografias se mostravam essencialmente semelhantes. Mas o que faltava em todas elas era uma tentativa sustentável de estudar e descrever a dinâmica e o desenvolvimento dessas várias estruturas ou níveis de consciência. Até onde foram, as cartografias eram boas; simplesmente faltava a elas sensibilidade desenvolvimentista. Esta era exatamente a crítica de Hegel a Kant: as estruturas de consciência não são simplesmente dadas no início; elas somente podem ser concebidas como algo que se desenvolveu. Foi para este desenvolvimento que direcionei minha atenção e os resultados de meus estudos preliminares seriam finalmente publicados como The Atman Project (Wilber, 1980).

Entretanto, dois importantes eventos interromperam temporariamente a redação de Atman. Um foi uma revista; o outro foi uma viagem marginal pela antropologia. Comecemos pela revista: um indivíduo chamado Jack Crittenden, após ler Spectrum, vinha mantendo correspondência constante comigo. Queria fundar uma revista dedicada àqueles assuntos tratados em Spectrum e que seria, de certo modo, uma combinação entre Main Current, Studies in Comparative Religion e Journal of Transpersonal Psychology. Queria que eu editasse, ou, pelo menos, co-editasse a revista, mas declinei do convite (principalmente porque já estava assoberbado com minhas próprias pesquisas). Prometi apoiá-lo moral e intelectualmente; também concordei em seriar Atman em quatro partes na sua revista. Jack e eu começamos a trabalhar na revista (que ele denominou ReVision) e nos tornamos amigos constantes. Finalmente, convenceu-me a ser co-editor com ele e, então, habilmente, "abandonou" seu posto de co-editor para se tornar "diretor/editor", deixando-me, num belo movimento de xadrez, como único editor. Mas por essa época, estava contente em fazê-lo. O entusiasmo de Jack havia-me convertido e ReVision transformar-se-ia numa revista extraordinária.

Se ReVision estava fluindo suavemente, minhas tentativas de conceituar desenvolvimento psicológico não estavam. Para começar, tornou-se óbvio que teria que estudar a psicologia do desenvolvimento do bebê e da criança, o que, em si mesmo, não apresentava sérios problemas. Afinal, os trabalhos de acadêmicos como Werner, Piaget e Kohlberg – de certa forma, todos estruturalistas como eu – haviam criado a noção muito clara e precisa de "desenvolvimento como desdobramento estrutural" e mapeado seu rumo desde a infância até a adolescência. Mas, desde o início, estava interessado não só naquilo que esses psicólogos da personalidade tinham a dizer, como também no que as tradições místicas tinham a dizer, e mais, em como encaixar coerentemente essas idéias. E isto se mostrou, desde o princípio, um problema extraordinário.

O problema girava em torno do estado de indissociabilidade do sujeito-objeto. Obviamente, a tradição mística afirma há longo tempo que o estado definitivo é de unidade sujeito-objeto (ou não-dualidade). Este é o estado da totalidade final, a Suprema Identidade de Brahman-Atman. Mas virtualmente todas as escolas da psicologia ocidental – os Kleinianos, os Freudianos, os Junguianos, Piaget, Fairbairn, Mahler e Kaplan, Loevinger – afirmavam que o bebê, o recém-nascido, existe inicialmente em um estado em que sujeito e objeto, o self e o outro, dentro e fora, são um. Klein chamava este estado de identificação projetiva; Piaget, de consciência protoplásmica; de acordo com a psicanálise, ego-libido e objeto-libido não diferenciados. Problema: qual a relação deste estado com o estado supremo, já que ambos são unidades sujeito-objeto?

A maioria dos autores com conhecimento de tradições místicas considerava o estado neonatal como evidência de uma unio mystica ou samadhi primordial, quando a alma existe em unidade com o mundo. Os Junguianos, por exemplo, sustentavam que nos primeiros meses da infância o ego está perfeitamente identificado ou imerso no Self. Norman O. Brown afirmava que este estado inicial de fusão sujeito-objeto é o estado perfeito de não-dualidade, que é recapturado em despertares místicos; pensamentos essencialmente similares foram expressos por Allan Watts, Joseph Campbell, Louise Kaplan, Prince e Savage, Arthur Koestler e outros.

Seguindo esta pista, que certamente parecia fazer sentido para mim, comecei a reconceituar o rumo completo do desenvolvimento, baseando-me nos dados da corrente principal da psicologia do desenvolvimento, porém considerando o contexto das tradições transpessoais. O caminho parecia ser direto: O recém-nascido começa em um estado de "consciência cósmica infantil", um estado de unidade ou totalidade primária, mas está inconsciente desta totalidade; é uma identificação inconsciente com o Self (a visão Junguiana). Entretanto, a fim de perceber esta totalidade, a alma primeiramente deve renunciar a esta unidade inconsciente e criar um self isolado e um mundo de separação e dualidade; só então ela poderá retornar à totalidade de um modo consciente, mantendo ligação com o ego, mas alinhando-o e religando-o ao Self. Assim, o caminho completo de desenvolvimento seria o de um estado inicial de união transpessoal inconsciente ("paradisíaco"), para um self pessoal consciente (dividido e alienado), até uma união final consciente transpessoal (conscientemente total e extática).

A evidência desta visão parecia irresistível; seguindo-a , comecei a reunir os domínios pessoal e transpessoal num esquema desenvolvimentista e dinâmico, e não só num esquema estrutural como havia feito em Spectrum. O desenvolvimento foi o delineado no parágrafo anterior. Cheguei à dinâmica do seguinte modo.

A principal escola de psicologia a tratar de problemas psicodinâmicos foi a psicanálise; assim procurei nela as sugestões iniciais. Nesta escola, há um imenso corpo de teoria e pesquisa (de Freud a Loewald) sugerindo que a principal (mas não a única) dinâmica de desenvolvimento é tentar recuperar o prazer narcisista que existia no seio materno (na fase oral pré-ambivalente) e que foi perdido no desenvolvimento subsequente.

Freud não só afirma que o sentimento egóico humano uma vez abraçou o mundo inteiro [i.e., durante o estado neonatal de fusão sujeito-objeto], como também que Eros impele o ego a recuperar aquele sentimento: "O desenvolvimento do ego consiste num afastamento do narcisismo primitivo e resulta numa vigorosa tentativa de recuperá-lo." No narcisismo primitivo, o self é uno com um mundo de amor e prazer; daí ser o objetivo final do ego humano restaurar o que Freud chama de "narcisismo ilimitado" e colocar-se, uma vez mais, em unidade de amor e prazer com o mundo inteiro. [Brown, 1959].

Junte-se esta visão à visão transpessoal e ter-se-á o seguinte: se esta condição original de fusão neonatal é realmente o estado inicial de totalidade ou de identidade com o Self, segue-se que o objetivo do desenvolvimento é recuperar a união com o Self. Se usarmos o termo hindu para o Self supremo, então a dinâmica do desenvolvimento pode ser conceituada como um "projeto Atman". As implicações de tudo isso foram apresentadas nos primeiros rascunhos de The Atman Project, que começaram a ser publicados em ReVision, como combinado.

Mas quanto mais pensava sobre este modelo de desenvolvimento, mais parecia que algo estava profundamente errado. Li e reli insistentemente meus escritos, tentando descobrir o que me estava incomodando. Sentia-me desconfortável, pois parecia que havia apresentado o caso tão cuidadosamente que não conseguia quebrar minha própria argumentação; e, ainda assim, algo estava definitivamente errado.

Quanto mais ponderava sobre a situação, mais era levado ao estado inicial de fusão neonatal, aquela "consciência cósmica infantil". Seria realmente um estado de identificação inconsciente com o Self, uma identificação subsequentemente perdida e depois recuperada? Compreendia que a maioria das autoridades transpessoais dizia sim; todavia, aquela proposição era, na realidade, o ponto crucial do problema – não os dados (há realmente um tipo de estado de fusão neonatal), mas sua interpretação (ele realmente tem algo a ver com o Self?). Pois se realmente havia um espectro da consciência – uma Grande Cadeia do Ser, como colocado por Lovejoy – então seria razoável assumir que o desenvolvimento seguia a própria Grande Cadeia, movendo-se, como não poderia deixar de ser, do seu degrau inferior para o degrau supremo. Mas aí estava o problema: a visão geral transpessoal (Norman O. Brown, Watts, Jung e outros) postulava um tipo de retorno em U, não nas extremidades da Grande Cadeia, mas exatamente no meio. Por razões que explicarei a seguir, aquele retorno em U começou a deixar-me profundamente intrigado. Posteriormente, chegaria à conclusão de que foi precisamente a falha em questionar aquele retorno em U que desviou meus esforços iniciais.

Este foi um período muito difícil para mim. Sentia dores físicas ao esforçar-me para endireitar as coisas. Intelectualmente, era como acelerar um motor de corrida em ponto morto. Se não me tivesse ancorado no trabalho manual e na segurança do zazen, tenho certeza de que teria soltado um pino por aí. O problema era complexo porque, num primeiro momento, todas as evidências estavam do lado da visão transpessoal geral. Por outro lado, se assumimos que de, algum modo, há paralelos filogenéticos/ontogenéticos, então nem mesmo a mitologia antropológica servia de ajuda. A mitologia não nos fala de uma Idade de Ouro, um Jardim do Éden, um Paraíso no qual todas as coisas eram unas em êxtase e felicidade e de onde homens e mulheres caíram? E esta queda não foi causada pelo conhecimento, separação e alienação egóica? E isto não se encaixa perfeitamente com o desenvolvimento infantil: unidade inicial, depois separação e, por fim, retorno à unidade (com iluminação)?

ASCENSÃO A PARTIR DO ÉDEN

Coloquei de lado The Atman Project e resolvi estudar antropologia e mitologia. A princípio, as evidências pareciam confirmar os mitos do Éden: Lévy-Bruhl e a noção da participation mystique; Cassirer e a idéia da identidade natural primordial, Gebser e o estado de totalidade arcaica. Mas, quanto mais olhava para a evidência real, mais um ponto começava a sobressair: havia muito pouco de "paraíso puro" na humanidade primitiva (não estou me referindo a povos indígenas que existem atualmente, mas a tribos originais de proto-humanos que viveram há meio milhão de anos atrás, com uma expectativa média de vida de vinte e poucos anos e uma consciência relativamente pré-diferenciada). Com exceção de ocasionais, e usualmente muito raros, xamãs, os melhores dos quais pareciam ter acesso a estados espirituais genuínos, a média de consciência dos humanos primitivos não parecia ser transindividuada mas sim pré-individuada, não transpessoal mas pré-pessoal.

Mas era exatamente esta a pista que estava procurando; os mitos do Éden confundiam ignorância pré-pessoal com êxtase transpessoal, de tal modo que, quando homens e mulheres começaram a evoluir a partir do Éden, isto foi considerado, erroneamente, como uma queda do céu. Realmente, homens e mulheres caíram do céu (ou da unidade com e como Divindade), mas esta não foi uma queda na história, e sim do presente eterno de onde emergem todas as coisas. Caímos do céu neste momento, no próximo e no próximo, toda vez que criamos limites e vivemos com a sensação de um self separado. Mas os teólogos e mitólogos confundiram essas duas quedas, ao imaginar que houve, num passado histórico real, um céu transpessoal na Terra, quando o que precedeu as pessoas não foram almas transpessoais, mas sim macacos pré-pessoais. O Éden foi, simplesmente, o período dos estágios subconscientes, pré-pessoais, pré-egóicos e largamente subumanos da evolução, até, e incluindo, os proto-humanos (Australopithecus, Homo habilis e outros). Era paradisíaco, no sentido cru da palavra, porque proto-humanos, sendo pré-egóicos, não tinham capacidade para pensamento auto-reflexivo e, portanto, capacidade para ansiedade, dúvida ou desespero reais.

Assim, os mitos do Éden falam da passagem histórica do subconsciente para o autoconsciente e as consequentes culpa e ansiedade necessariamente envolvidas nesse processo. Na verdade, rastreei quatro estágios principais nessa transição: o arcaico, o mágico, o mítico e o racional. Complementarmente, esses estágios permitiram-me equacionar a narrativa em concordância com os trabalhos históricos de eruditos tais como L. L. White, Jean Gebser, Erich Neumann e Julian Jaynes. O ponto final foi que, se a evolução havia conseguido mover-se da subconsciência para a auto-consciência, não havia nenhuma razão para que ela não pudesse continuar da auto-consciência para a superconsciência. E essas três fases gerais – do pré-pessoal, para o pessoal, para o transpessoal – combinavam perfeitamente com os trabalhos de Aurobindo, Berdyaev, Teillhard de Chardin e, mais importante, de Hegel. Retornei a um estudo profundo e cuidadoso de Hegel e terminei ainda mais impressionado com ele do que com qualquer outro filósofo ocidental. Recentemente, reuni todos esses estudos em um livro, Up from Eden (Wilber, 1981).

Este estudo antropológico e evolucionário (Wilber, 1981) também me permitiu preencher algumas lacunas na cartografia apresentada em Spectrum. Naquele livro havia dado pouca atenção para os níveis mais baixos do ser, os níveis subumanos tais como matéria, planta, réptil e mamífero. Ao invés, havia começado a cartografia nos níveis da auto-consciência (persona, ego, centauro) e continuado através dos níveis da superconsciência (transpessoal, universal). Esses domínios continuavam válidos, mas agora podia incluir explicitamente os níveis da esfera subconsciente: matéria (o pleroma), planta e animal inferior (o uroboros ), e mamífero (o tífon ). Ao mesmo tempo, refinei minha compreensão da esfera transpessoal, subdividindo-a em quatro níveis gerais: o psíquico (domínio dos estados transpessoais iniciais, siddhi etc.), o sutil (morada dos arquétipos e da Divindade pessoal), o causal (o Vazio não-manifesto) e o supremo (espírito, turiya, Svabhavikakaya). E, assim, eis um mais completo espectro da consciência ou Grande Cadeia do Ser: matéria-pleroma, réptil-uroboros, mamífero-corpo, persona, ego, centauro, psíquico, sutil, causal, supremo. Ou, na visão concisa da teologia ocidental, matéria para corpo, para mente, para alma, para espírito.

Então, o ponto central da evolução é que ela efetivamente segue a Grande Cadeia, iniciando no nível mais baixo e culminando no mais alto, exatamente como Aurobindo, Teillhard de Chardin e Hegel haviam afirmado. Retornando a The Atman Project, os problemas do desenvolvimento, que tanto haviam me confundido e perturbado, apresentavam-se agora perfeitamente transparentes. Pois aquilo que chamamos crescimento, ou desenvolvimento, é a expressão, para os humanos, da evolução natural ou universal. A mesma "força" que produz seres humanos de amebas, produz adultos de crianças e os estágios de ambas as produções são essencialmente similares. Isto é, a ontogenia recapitula a cosmogonia e a filogenia, pelo menos num esquema mais abrangente.

Isto se tornou claro para mim de um modo marcante por uma frase de Piaget. Descrevendo o período inicial da infância (o estado de fusão neonatal ou identificação projetiva que tanto havia me confundido), ele afirmou que "aqui podemos dizer que o self é material". Instantaneamente, o esquema completo tornou-se claro. Aquele estado inicial de fusão, que todos, desde Freud a Jung a Brown, haviam considerado um estado de "unidade com o mundo inteiro em amor e prazer", nada mais é do que uma identidade com os níveis mais baixos da Grande Cadeia, em especial o nível material (e o nível biológico via mãe). O bebê não é "um com o mundo inteiro". Para começar, o bebê não é um com o mundo mental, com o mundo social, com o mundo sutil, com o mundo simbólico ou com o mundo linguístico, porque esses mundos sequer existem ou já emergiram. Os bebês não são unos com esses níveis; eles são completamente ignorantes deles. Eles são basicamente unos, ou fundidos, com o ambiente material e a mãe biológica. Eles não conseguem distinguir o corpo físico do ambiente físico. Nesse estado primitivo de fusão não entram níveis mais elevados. (Do mesmo modo, fui capaz de demonstrar a mesma coisa aplicada antropologicamente ao estado médio dos humanos primitivos. Eles realmente viveram em participação mística e unidade arcaica, mas era uma união de participação somente com os níveis mais baixos da Grande Cadeia – o material, o biológico e o animal).

Assim, é uma grande falácia referir-se a esse estado primitivo de fusão como "unidade com o mundo inteiro", se por "mundo inteiro" entendemos nada mais do que a fusão primitiva biomaterial. Ainda mais que essa fusão primitiva simplesmente não pode ser igualada com o Self ou com a identidade do Self. Aí estava exatamente o problema com a visão transpessoal geral, que sustentava que esse estágio primitivo era uma identificação com o Self, identificação esta subsequentemente perdida no desenvolvimento e recuperada na iluminação. Pois o Self é a totalidade das estruturas psicológicas, não a estrutura psicológica mais baixa; a totalidade ainda não se manifestou no bebê e é realmente impossível ser uno somente com um potencial (ou, se você preferir considerar essa visão como uma metáfora, então terá que admitir que todos os níveis anteriores à iluminação também são unos com o Self de um modo inconsciente, mas aí não fará o menor sentido dizer que este estado inicial foi perdido no desenvolvimento subsequente; de qualquer maneira, a visão é falaciosa).

Assim, o que é perdido no desenvolvimento subsequente é a inocência relativamente extática do estado de fusão material, subconsciente, pré-pessoal. Isto é, o bebê efetivamente rompe uma identidade, não com o Self, mas sim com o nível de ser material-urobórico. Agora, porque tanto as esferas pré-pessoal como transpessoal são, a seu modo, ambas não-pessoais, elas podem parecer idênticas à primeira vista, embora sejam totalmente diferentes, tais como a pré-escola e a universidade. Mas uma vez ocorrendo esta confusão, e porque a fusão pré-pessoal, subconsciente, é realmente perdida, ela, erroneamente, apresenta-se como uma perda da união transpessoal. Em outras palavras, a falácia pré-trans faz parecer que o desenvolvimento move-se do inconsciente transpessoal, para o consciente pessoal, para o consciente transpessoal, quando realmente ela se move do inconsciente pré-pessoal, para o pessoal, para o transpessoal. A falha em compreender esta distinção provoca exatamente o retorno em U que mencionei anteriormente: do transpessoal para o pessoal e de volta ao transpessoal, ao invés de pré-pessoal, para pessoal, para transpessoal.

O PROJETO ATMAN

Agora isto pode parecer um ponto trivial, mas era exatamente a distinção que precisava para conceituar o desenvolvimento humano mais adequadamente, conciliá-lo com a teoria evolucionária, com a Grande Cadeia do Ser, com Hegel, Aurobindo e outros. Retornei, então, a The Atman Project e parti para os estágios estruturais de desenvolvimento – sub-auto-superconsciência – considerando a missão, os potenciais e conflitos de cada estágio de desenvolvimento. Embora Atman apresente ao todo cerca de vinte estágios/níveis, podemos usar, por conveniência, a versão mística ocidental mais simples: matéria para corpo, para mente, para alma, para espírito. O ponto é que o que denominamos desenvolvimento é um processo dinâmico de movimento hierárquico através desses estágios, de tal modo que cada estágio de consciência torna-se um nível de consciência no desenvolvimento subsequente. (Esta é a noção de "individualidade composta" apresentada em Eden; o indivíduo não é uma unidade isolada; ao contrário, é composto por todos os estágios precedentes de evolução/desenvolvimento, estágios que agora fazem parte da sua individualidade composta e que expressam suas necessidades, e reproduzem suas próprias existências, por meio de trocas com os correspondentes níveis do ambiente. Em outras palavras, cada nível transcende mas inclui seus predecessores de um modo holístico, em forma de ninho: desenvolvimento que é envelopamento.)

Tinha agora em minha mente uma imagem razoavelmente precisa das estruturas da consciência e do desenvolvimento dessas estruturas. Então, voltei-me mais uma vez para a dinâmica da consciência. À medida que comecei a rever a noção completa da dinâmica (incluindo o que havia escrito anteriormente), ficou óbvio porque estava tão relutante em desistir da idéia de que o bebê existia em um estado de "totalidade perfeita". As filosofias perenes e as tradições transpessoais unanimemente sustentam que a "dinâmica", ou "força" da evolução e do desenvolvimento, é um impulso para realizar o potencial mais elevado de cada um – isto é, desenvolver a superconsciência (natureza de Buda, natureza de Atman, Espírito, consciência de Deus, o termo que você preferir). Ao sustentar que o estado de fusão do bebê era uma forma inconsciente da unidade suprema, podia afirmar que todo o desenvolvimento subsequente era uma tentativa de recuperar a consciência de Atman, e poderia fazê-lo sem ter que invocar a noção de telos. Uma vez que a unidade suprema já existia no desenvolvimento do bebê, poderia apontar para uma condição passada, real, histórica e verdadeira, a partir da qual facilmente derivaria minha dinâmica; não havia necessidade de telos.

Estava relutante em introduzir telos, não só porque isto significaria imediata rejeição da parte dos psicólogos ortodoxos, como também porque – mesmo sendo um psicólogo transpessoal e portanto, aos olhos dos ortodoxos, já bastante esquisito, oculto, ou suficientemente fantasmagórico – a idéia parecia bastante improvável até para mim. Entretanto, todas as evidências apontavam inequivocamente para a noção de telos.

Em outras palavras, a dinâmica da consciência parecia não só uma pressão para afastar-se de um passado real, como também uma impulsão para realizar-se uma condição futura. A consciência não era só condicionamento, como sustentam os psicólogos ortodoxos, mas emergência criativa e esforço teleológico, nenhum dos quais pode ser explicado por teorias de reforço. Coloquemos da seguinte maneira: a teoria do condicionamento pode explicar o reforço de uma tendência após ter emergido pela primeira vez, mas não consegue explicar a própria emergência inicial. Ela pode dizer por que um comportamento se repete ou por que ocorre pela segunda vez, mas não por que ocorre pela primeira vez. Por outro lado, é na primeira aparição de um ato que está toda a novidade, toda a criatividade, toda a inovação, todo o crescimento, todo o desenvolvimento. Isto é, os aspectos mais importantes do comportamento são criativos e/ou teleológicos. Não são totalmente, nem mesmo predominantemente, circunscritos ao passado, e sim tendências criativas expressas em direção a potenciais ainda não realizados – em resumo, telos.
De qualquer modo, minhas dúvidas quanto a usar o conceito de telos desapareceram completamente após meu estudo de Hegel, Aristóteles, Aurobindo etc. Não somente telos passou a ser aceitável para mim; comecei a entender que a rejeição de telos pela psicologia ortodoxa, bem como sua exclusiva confiança no condicionamento passado e na teoria do reforço, causou uma catástrofe intelectual de primeira magnitude, determinista, reducionista e profundamente autocontraditória – uma teoria que não foi (e ainda não é) totalmente contestada. Embora tenham sido apresentadas críticas fatais a esta teoria de reforço da aprendizagem por filósofos como Whitehead, Hegel, Gregory Bateson, Hartshorne e Huston Smith, os psicólogos se mantiveram largamente ignorantes delas. A maioria dos psicólogos ortodoxos, na ilusão de que são cientistas empíricos, acreditam que podem ignorar a filosofia, quando, de fato, sua "psicologia empírico-analítica" baseia-se extensivamente em sistemas de metafísica oculta e em hipóteses epistemológicas arbitrárias. No mínimo, metafísica oculta é má metafísica (tal como motivação inconsciente é frequentemente patológica). "Sou um cientista, não necessito de filosofia especulativa" é a declaração de um filósofo pragmático e logicamente positivista; evidentemente, uma declaração bastante pobre em si mesma.

A superação da barreira do telos foi o último grande obstáculo para uma conceituação decente da dinâmica da consciência. Aceitando telos – especificamente, Atman-telos ou o impulso para realizar o Espírito – revi as motivações de, e em, cada estágio de desenvolvimento, sugerindo que eles fossem subconjuntos deste impulso último para a Unidade (como haviam feito Whyte, Assagioli, Prigogine, Albert Szent-Gyorgyi, Fuller, Fantappie, Hegel). O ponto central do desenvolvimento é que o indivíduo procura a unidade em cada estágio de crescimento, mas ele ou ela deve continuamente abandonar as forma inferiores de unidade a fim de descobrir unidades mais elevadas, um processo que continua até que haja somente a Unidade. Vejamos alguns rápidos exemplos: é preciso desenvolver-se além da unidade pela comida (fusão com o comer, a fase oral) e da unidade pelo sexo (união biológica, a fase fálica/edipiana), a fim de encontrar a unidade pela interação mental-social (comunidade, a fase mental) e, então, desenvolver-se além do ego-mental, a fim de atingir estágios superiores que culminam na unidade suprema (comunhão divina em Deus somente, a fase transpessoal) Cada estágio é uma forma mais elevada e inclusiva de unidade e o desenvolvimento simplesmente continua até que haja somente Unidade e a alma esteja baseada naquela Fonte e Quididade que formaram o telos da sequência completa. Hegel:

[O Absoluto] é o processo do seu próprio vir-a-ser, o círculo que pressupõe seu fim como seu propósito [telos] e tem seu fim no seu começo. Torna-se concreto ou real somente pelo seu desenvolvimento e através do seu fim. (Coplestone, 1965)

Note que a dinâmica geral ainda era a mesma em que havia originalmente pensado: a pulsão na direção da consciência de Atman, "o círculo que pressupõe seu fim como seu propósito." Mas agora o objetivo não era conceituado como a recuperação de um estado infantil de fusão (ou uma "versão amadurecida" daquele estado), mas, sim, como uma descoberta teleológica do estado de Atman, que é a condição suprema e o potencial radical de cada pessoa. (É um paradoxo: Atman é, ao mesmo tempo, sua natureza presente e o resultado final do seu desenvolvimento; é, ao mesmo tempo, o Objetivo de todos os estágios evolutivos e a realidade presente ou Essência de cada estágio; é o mais alto degrau da escada e a madeira de que toda a escada é feita. Se o Espírito fosse somente presente, você seria iluminado já; se ele fosse somente um objetivo, não poderia ser onipresente – portanto, Ele é, ao mesmo tempo, Objetivo e Condição, "o processo de seu próprio vir-a-ser.")

Do mesmo modo, a natureza da iluminação era como originalmente havia pensado e como todas as tradições mantêm – uma recuperação ou redescoberta de um estado anterior. Entretanto, o estado redescoberto não era o estado de fusão neonatal, que é anterior no tempo, mas o estado supremo de Atman, que é anterior em profundidade. A união com Atman é ainda uma "re-união", mas, novamente, é uma junção não com um estado particular no tempo mas sim com aquele que é anterior ao tempo – anterior, de fato, ao tempo, espaço, self, desejo, memória, separação, mortalidade, identidade, mente, corpo e mundo. É uma "re-união" porque estamos constantemente abandonando aquele Estado Primordial ao adotar limites, self, separação, sofrimento; e o desenvolvimento é simplesmente um retorno àquilo que já somos eternamente antes daquele abandono. Em resumo, desenvolvimento é uma tentativa de recuperar a consciência de Atman (mas uma tentativa lenta e tortuosa, marcada por compensações, defesas, gratificações substitutas, avanços e recuos – e está o complicado amálgama do desenvolvimento).

Finalmente, observe que o desejo e o impulso para redescobrir a totalidade de Atman não tem nada a ver com o desejo de voltar ao estado neonatal de fusão (como muitos teóricos supuseram). Em verdade, aquele desejo é simplesmente um impulso de regressão e auto-absorção narcisística, um puxão regressivo que deve ser superado com sucesso a fim de que possa ocorrer um maior desenvolvimento. De fato, uma falha em superar esse estado primitivo de fusão narcisística deixa-nos fixados em buscas pré-pessoais e tendências subumanas (como relatou, por exemplo, Christopher Lasch, 1979). E fixação pré-pessoal não tem absolutamente nada a ver com a verdadeira inclinação transpessoal. A última é evolucionária ou progressiva; a primeira é involucionária ou regressiva.

PATOLOGIA

Esta mudança na ênfase também ajudou-me a conceituar mais adequadamente a forma do desenvolvimento propriamente dita: em cada estágio sucessivo de crescimento e desenvolvimento, o self diferencia-se desse dado estágio, transcende esse estágio para o imediatamente acima e, então, integra o inferior com o superior. Assim, cada estágio de desenvolvimento sucessivo transcende mas inclui seus predecessores. "Superar é, ao mesmo tempo, negar e preservar", disse Hegel (1949). Isto corresponde a dizer que, à medida que o desenvolvimento se move da matéria para o corpo, para a mente, para a alma, para o espírito, cada estágio mais elevado nega (transcende) mas preserva (inclui) seu predecessor numa unidade e síntese de maior ordem, e este processo continua até que haja somente Unidade. A transcendência final é a síntese final.

Entre outras coisas, com esse esquema ficou mais fácil para mim entender patologia. A descoberta central de Freud foi que sintomas emocionais não são destituídos de sentido ou absurdos, como era assumido; ao contrário, eles apresentam significado porque têm várias causas que repousam na história real do indivíduo. Assim, se o indivíduo consegue reconstruir (lembrar-se) esta história, então, o significado do sintoma torna-se transparente para ele ou ela e, portanto, perde seu domínio obsessivo na consciência. Em resumo, o significado de um sintoma pode ser descoberto via "causas na história" e, terapeuticamente, esse entendimento histórico ajuda a despir o sintoma de sua opacidade e poder.

Agora, "causas na história" significam realmente "eventos em desenvolvimento". Isto é, doenças emocionais apresentam grande parte da sua etiologia em abortos no desenvolvimento – em tarefas não assumidas ou incompletas. Aspectos da experiência são excessivamente absorvidos ou excessivamente evitados e alienados. O resultado é que, à medida que níveis superiores emergem, os inferiores não são integrados e sim segregados. Ao invés de diferenciação há dissociação; ao invés de transcendência, repressão. A dissociação e a alienação geram, na história subsequente, vários sintomas patológicos e desordens emocionais, evidências de falha na integração. Isto é, cada falha no desenvolvimento coloca em movimento uma subsequente relação de causa e efeito, um "retorno do reprimido", e um retorno que aparece como sintomas, sonhos e projeções. Esta não é a única causa da patologia (há, teleologicamente, uma falha para integrar os potenciais futuros e emergentes, para não mencionar o papel da neurobiologia), mas, certamente, é central em muitas desordens.

Por exemplo, se o desenvolvimento a partir da matéria para o corpo, para a mente, para a alma, para o espírito se processa mais ou menos normalmente, então, entre as idades de 1 a 2 anos, o self material inicial (estágio 1) transformar-se-á no self corporal (estágio 2). Aí, por volta dos 4 a 7 anos, a mente (estágio 3) começará a emergir e a diferenciar-se do corpo (do mesmo modo que o corpo, previamente, havia se diferenciado do estado de fusão material). Agora, se ocorrerem repetidos acidentes graves de desenvolvimento durante esse período (tais como traumas ou situações sem saída), simplesmente a mente não se diferenciará do corpo; ela tenderá a dissociar-se do corpo. Esta dissociação mente-corpo, dependendo das circunstâncias, poderá gerar sérias repercussões. No extremo, ela produz aquilo que Laing chamou "o falso self": o indivíduo sente a mente como o self e o corpo como outro, uma síndrome (de acordo com Laing, 1969) que está no âmago de desordens esquizóides e esquizofrênicas (composta frequentemente por traumas múltiplos que ocorreram na transição anterior da fusão material para o self corporal). Em formas menos drásticas, ela está por trás de todas as várias repressões (defesas) descritas por Freud – as repressões do desejo e prazer corporais pelo ego/superego mental. Na sua forma mais suave, ela produz a mentalidade friamente racional, abstrata, anti-sensual e anti-emocional tão característica da típica mente ocidental (não é de admirar que L. L. White [1950] tenha chamado a separação mente-corpo de "a dissociação européia").

Este entendimento também pareceu lançar luz num dos pilares do Freudianismo, o complexo de Édipo. Quando comecei a estudar esses assuntos, considerava a psicanálise em geral, e o complexo de Édipo em particular, a mais ridícula e absurda de todas as teorias psicológicas. Mas repetidamente (muito contra minha vontade e perfeitamente ressentido do fato) eu era levado de volta ao gênio de Freud (pelo menos, com respeito aos níveis inferiores, uroboros, tífon, emocional-sexual, todos estágios corporais). Além desses níveis, não sou admirador de Freud; neles, procurei em vão por um gênio maior. Fui finalmente vencido pelo fato de que talvez o maior psicólogo da história ocidental acreditava que o complexo de Édipo/Electra estava no âmago da psique de cada indivíduo. Com certeza, havia pelo menos uma verdade muito importante contida na teoria de Freud, embora aparentemente bizarra à primeira vista.

Quanto mais estudava, mais aquela verdade parecia insinuar-se. Pois a essência do complexo de Édipo é que ele marca a transição dos desejos emocionais-sexuais para identificações mentais ("identificações substituem escolhas de objetos"). Isto é, na sequência do desenvolvimento da matéria para o corpo, para a mente, para a alma, para o espírito, o complexo de Édipo localiza-se no ponto de transição e diferenciação do corpo para a mente. Ele marca a transição da busca de unidade através do corpo (intercurso emocional-sexual) para a busca de unidade através da mente (intercurso comunicativo). Apresentar um "problema edipiano" significa simplesmente que esta transição falhou completamente. O indivíduo fica preso ao nível do corpo (fixação) ou alienado do nível do corpo (repressão). Em qualquer dos casos, há uma falha para transcender e integrar o corpo (ou impulsos emocionais-sexuais em geral) e esses impulsos dissociados e alienados, isolados de participação na consciência, retornam agora sob formas mórbidas de sintomas, doenças, angústias. Assim, parece-me que Freud foi capaz de ver o complexo de Édipo como universal porque a transição do corpo para a mente é universal e o complexo de Édipo representa, por assim dizer, o fulcro dessa transição.

Obviamente, há outros pontos de transição além de Édipo. Na sequência da matéria para corpo, para mente, para alma, para espírito, Édipo marca a transição de corpo para mente; a transição do self material para o self corporal ocorre antes nos estágios oral, sensório-motor e pré-edipiano. (Isto é, a fase oral marca a transição do estado de fusão inicial, neonatal, material, para a fase do self corporal, separado, individual. Esta transição, na qual o bebê aprende a distinguir o self corporal do ambiente material em geral e da mãe pré-edipiana em particular, foi intensamente investigada por Mahler, Klein, Fairbairn e a importante escola da teoria de relações com o objeto em geral). No caso das transições superiores (mente para alma e alma para espírito) a teoria freudiana falha totalmente (como também a psicologia ortodoxa em geral). Portanto, tentei esquematizar em The Atman Project as características dessas transições mais elevadas, dando especial ênfase aos paralelos com as transições oral e edipiana. Isto não significa que essas transições mais elevadas sejam "impulsos edipianos sublimados". Ao contrário: o complexo de Édipo é uma das formas mais baixas da dinâmica transicional. Mas todas essas transições, altas ou baixas, compartilham a mesma forma de desenvolvimento (diferenciação, transcendência, integração) e a mesma forma de possível mau desenvolvimento ou patologia (dissociação, alienação, segregação). E essas semelhanças entre níveis constituíam o que especialmente me interessava.

Uma das conclusões dessa linha de estudo foi que o mais importante e difundido complexo hoje em dia não é o complexo de Édipo – ou a dificuldade de transformação do corpo para a mente – mas aquele que podemos chamar de complexo de Apolo – uma dificuldade de transformação da mente para a alma ou de domínios pessoais, mentais, egóicos para domínios transpessoais, sutis e supra-egóicos. O complexo de Vishnu, a dificuldade de transformação da alma para espírito, ocorre em um nível tão elevado que aflige somente meditadores avançados (como explicarei brevemente).

PRÁTICA DE MEDITAÇÃO

A natureza desses complexos mais elevados, tais como o de Apolo e o de Vishnu, tornou-se dolorosamente óbvia para mim através da minha própria meditação. Ao terminar de escrever No Boundary (Wilber, 1979), minha prática de meditação, embora não exatamente avançada, não estava mais na fase de um iniciante. A dor nas pernas (devida à postura de lótus) estava suportável e minha conscientização, aumentando na capacidade de manter uma postura alerta embora relaxada, ativa embora neutra. Mas, como dizem os budistas, minha mente era igual à de um macaco: compulsivamente ativa, obsessivamente motivada. E, então, fiquei face a face com meu complexo de Apolo, a dificuldade em transcender da esfera mental para a esfera sutil. A esfera sutil (ou a "alma", como chamada pelos místicos cristãos) é o início dos domínios transpessoais; como tal, é supramental, transegóica e transverbal. Mas para atingir-se essa esfera, deve-se (como em todas as transformações) "morrer" para a esfera inferior (neste caso, a mental-egóica). A falha ou a incapacidade de consegui-lo é o complexo de Apolo. Do mesmo modo que a pessoa com complexo de Édipo mantém-se inconscientemente ligada ao corpo e ao seu princípio de prazer, a pessoa com complexo de Apolo mantém-se inconscientemente presa à mente e ao seu princípio de realidade. ("realidade" aqui significa "realidade institucional, racional, verbal", a qual, embora por convenção seja suficientemente real, é, todavia, uma mera descrição da Realidade verdadeira; se nos ativermos a ela, em última instância, isso evitará a descoberta da Realidade autêntica.)

A luta com meus pensamentos obsessivos / compulsivos – não pensamentos obsessivos particulares como na neurose específica (o que frequentemente é indicação de uma fixação no complexo de Édipo), mas o próprio fluxo de pensamentos em si mesmo – foi uma árdua tarefa. (Um excelente depoimento dessas batalhas iniciais foi prestado por Walsh, 1977, 1978). Fui afortunado em fazer algum progresso, em finalmente ser capaz de elevar as flutuações das contrações mentais e descobrir, embora de maneira incipiente, um domínio incomparavelmente mais profundo, mais real, mais saturado de ser, mais aberto à lucidez. Este domínio era simplesmente o sutil, que é descoberto, por assim dizer, após desgastar o complexo de Apolo. Neste domínio, não é que o pensamento necessariamente cessa (embora isso aconteça muitas vezes, especialmente no início); é que, quando o pensamento surge, ele não se afasta desse fundo mais abrangente de lucidez e conscientização (vide, por exemplo, o relato cristalino de John Welwood desse "terreno transpessoal"). No nível sutil, não se fica mais "perdido em pensamentos"; ao contrário, pensamentos entram e saem da consciência como nuvens atravessam o céu; com suavidade, graça e clareza. Nada gruda, nada raspa, nada atrita. Chuang Tsé: "O homem perfeito usa sua mente como um espelho. Não absorve nada; não recusa nada; recebe mas não retém."

Entretanto, durante a meditação, as experiências do domínio sutil podem ser (e usualmente são) verdadeiramente extraordinárias, maravilhosas, profundas. Porque este é o reino dos arquétipos e da divindade arquetípica – o confronto com aquilo que é sempre numinoso, como ressaltado por Jung. Este foi um período muito real e muito intenso para mim; foi minha primeira inequívoca experiência direta da sacralidade do mundo, este mundo que, como disse Plotino, emana do Um e representa uma expressão Dele. Anteriormente, havia tido breves e iniciais vislumbres do domínio sutil – e mesmo do causal, além dele – mas efetivamente ainda não tinha sido apresentado, ou iniciado, àquele domínio. Um mestre zen uma vez disse que a resposta apropriada ao primeiro kensho forte (pequeno satori) não é rir, mas chorar, e foi exatamente isso o que fiz, por horas, me pareceu. Lágrimas de gratidão, de compaixão, de indignidade e, finalmente, de maravilhamento infinito. (Isto não é falsa humildade; nunca encontrei ninguém que não se sentisse indigno desse domínio.) Gargalhadas – grandes gargalhadas – vieram depois; neste ponto inicial seria sacrilégio.

A seguir, em minha prática meditativa, fiz um "tour" pelo domínio sutil. Minha descrição favorita deste domínio é a de Dante e asseguro-lhes que o que ele descreve é literalmente verdadeiro:

Fixando meu olhar na Luz Eterna, vi nas profundezas,
Embrulhadas juntas amorosamente em um pacote,
As folhas espalhadas de todo o universo...Na profunda subsistência luminosa
Daquela Excelsa Luz, vi três círculos
De três cores, embora de uma dimensão.
E o primeiro parecia refletido no segundo
Como o arco-íris é pelo arco-íris, e o terceiro
Parecia fogo respirado igualmente por ambos.

Nessa época descobri os trabalhos de Kirpal Singh, que muito me ajudaram a esclarecer minhas experiências nesse domínio (Singh, 1975). Em minha opinião, Singh é o mestre insuperável dos domínios sutis, e sem a sua liderança (mesmo que apenas por livros) duvido seriamente de que pudesse passar tão facilmente e rapidamente por alguns desses domínios, como aparentemente fiz. O ponto central de Singh é que há nos domínios sutis uma hierarquia de iluminações audíveis cada vez mais sutis, ou "chakras" shabd, além dos chakras (como o ajna e o sahasrara) considerados por escolas de ioga mais antigas e menos sofisticadas como os derradeiros. Toda sua abordagem era hierárquica, desenvolvimentista e dinâmica, o que casava perfeitamente com minha própria filosofia, de modo que não tive que perder tempo para aprender ou discutir sua posição. Simplesmente a usei.

Estava, então, tendo um gosto dos níveis mais sutis, uma introdução a arquétipo, a divindade, a yidam (o termo budista) e ishtadeva (o termo hinduísta). Sem dúvida, essas eram as mais profundas experiências por que jamais havia passado. E mais importante, pelo fato de estar bastante familiarizado (na teoria e na prática) com as experiências que podem ser produzidas por impulsos subconscientes, todas as imagens "mágicas" e "alucinatórias" descritas por Freud e outros, não fui levado pela falácia de confundir experiências superconscientes com renascimentos subconscientes. Na minha opinião, qualquer pessoa que tenha estudado cuidadosamente e intimamente esses diversos domínios reconhecerá imediatamente as profundas diferenças entre exposições pré-pessoais, subconscientes e instintivas em comparação àquelas que são transpessoais, superconscientes e arquetípicas. As escolas orientais são muito explícitas quanto às diferenças entre pranamayakosha (exposições emotivo-sexuais) e anandamayakosha (intuições arquetípicas).

OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA

Mas à medida que essas experiências superconscientes progrediam, comecei a entender o que elas realmente eram – meras experiências. Porque, por definição, experiência é algo que tem um começo e um fim (estritamente temporal, estritamente relativo). Quanto mais me aprofundava na natureza da experiência, tanto mais me tornava profundamente desiludido com ela. Admito que esses domínios, de um modo especial, eram mais reais que os planos material, corporal ou mental, pelo menos como os conhecia, porém o ponto era que essa exposição experiencial poderia continuar para sempre. Poderia ser apresentado a experiências cada vez mais sutis ad infinitum.

Há uma citação, penso que de Hans Sachs, segundo a qual a psicanálise termina quando o paciente compreende que ela pode durar para sempre. O mesmo tipo de compreensão, por assim dizer, começou a curar-me da fixação do nível sutil, o complexo de Vishnu. Pois o complexo de Vishnu é precisamente a dificuldade em mover-se da alma sutil para o espírito causal. As experiências sutis são tão extasiantes, tão maravilhosas, tão profundas, tão salutares, que nunca se quer abandoná-las, nunca perdê-las; ao contrário, deseja-se banhar para sempre em sua glória arquetípica e libertação imortal – e está o complexo de Vishnu. Se o complexo de Apolo é o veneno dos meditadores iniciantes, o complexo de Vishnu é o grande sedutor dos praticantes intermediários.

Mas meu treinamento Zen, meu entendimento (embora ainda superficial) de Krishnamurti, de Shankara e de Sri Ramana Maharsi, de São Dionísio a Eckhart – tudo me dizia que o estado supremo não era uma experiência (um ponto que coloquei em "The Ultimate State of Consciousness" [Wilber, 1975-1976]). Não era uma experiência particular entre outras experiências, mas a própria natureza e essência de todas as experiências, superiores ou inferiores. Era aquele vasto background ou Abismo (Ruysbroeck) de onde emanam as inúmeras realidades experienciais. Assim, em si mesma, não era absolutamente experiencial; não tinha nada a ver com mudanças de estado, em saber isto ou aquilo, em ver isto ou aquilo, esse ou aquele sentimento, porque era anterior a tudo isso, a natureza verdadeira deste e de cada momento antes que eu possa compreendê-lo. O estado supremo é o que sou antes de ser qualquer outra coisa; é o que vejo antes de ver qualquer coisa e o que sinto antes de sentir qualquer coisa. É por isso que se diz que o Tao está além do saber ou não-saber, do certo ou errado.

Chao-Chou perguntou, "O que é o Tao?"
Mestre Nan-chuan respondeu, "O Tao é sua consciência comum."
"Mas como se pode viver em concordância com ele?"
"Ao tentar concordar você já se desviou."
Mas sem tentar, como vou conhecer o Tao?"
"O Tao", disse o Mestre, "é anterior ao conhecer ou não-conhecer. Conhecer é falso entendimento; não-conhecer é simples ignorância. Se você realmente compreende o Tao antes de duvidar, é como o céu vazio. Por que mudar o rumo da conversa para certo e errado?"
[Citado em Watts, 1975]

Explica-se isto assim: o Upanishads diz que Brahman não é um entre muitos, mas um sem um segundo; não um objeto particular, mas a realidade de todos os objetos. E mesmo assim, estava tentando captar o Todo como uma experiência particular – por certo um Grande Experiência, mas, de qualquer modo, uma experiência – e era exatamente isso que não permitia a descoberta (porque uma experiência é um saber ou não-saber e não algo que precede a ambos). Por isso o Zen chama todas as experiências superiores por um nome pejorativo: makyo ou "ilusões sutis". E, de acordo com o Zen, muitas outras tradições confundem makyo com o estado supremo, simplesmente porque essas extraordinárias experiências são, na verdade, mais reais do que os estados comuns. Todavia, todas as experiências, superiores ou inferiores, ficam aquém da consciência não-dual e, assim, cedo ou tarde, devem ser superadas.

O ponto é que todas as experiências, sagradas ou profanas, superiores ou inferiores, baseiam-se na dualidade entre sujeito e objeto, observador e observado, experienciador e experienciado. Mesmo na esfera da alma, incomparavelmente mais real do que os níveis inferiores da matéria, corpo e mente, trata-se meramente de um sujeito mais sutil e de um objeto mais extraordinário. A testemunha desses estados divinos ainda se mantém intacta. Entretanto, o despertar verdadeiro é a dissolução da própria testemunha e não uma mudança de estado naquilo que é testemunhado.

Por isso é que sempre se afirmou que formas de indagação do tipo "Quem sou eu?", "Quem canta o nome de Buda?", "Quem deseja libertação?" são o caminho básico, talvez o único caminho, além da testemunha (e do complexo de Vishnu). Não "Eu devo sempre estar consciente da minha respiração.", mas sim "Quem deve?". Não "Eu captei o sentido do koan.", e sim "Quem captou?". O efeito dessas perguntas é liberar a atenção das telas objetivas da consciência e excitar a consciência em si mesma. Mais precisamente, esse tipo de indagação faz com que a atenção se volte para a própria atenção, para a verdadeira natureza da atenção, e sua natureza é de sutil contração ou resistência. Qualquer atenção é exclusiva, porque ela se liga nisso e ignora aquilo. Em outra palavras, é dualística, e isso inclui a "atenção passiva" e qualquer outra conscientização sutilmente motivada. Todas são meras contrações subjetivas no Campo da Consciência. Mas com esse tipo de pergunta, esta contração subjetiva que é atenção torna-se o objeto da atenção. Isto é, o sujeito transforma-se no objeto de modo que a fronteira entre eles é rompida e ambos desaparecem como entidades exclusivas e separadas. Então, resta apenas a consciência inicial, radiante, imanente, desobstruída, que não é nem subjetiva nem objetiva, simplesmente total.

A primeira vez que isto se tornou óbvio para mim, embora de um modo fugaz, foi em um sesshin ou retiro Zen intensivo. No quarto dia apareceu, por assim dizer, o estado da testemunha, a testemunha transpessoal que, de maneira firme, calma e clara, testemunha todos os eventos emergentes, momento a momento. Mesmo sonhando, meramente se testemunha: pode-se ver o sonho começar, prosseguir e terminar (o que Charles Tart chamou de "sonhos translúcidos"). Entretanto, Roshi ficou totalmente impassível diante de todo aquele "makyo". "A testemunha", disse ele, "é a derradeira cidadela do ego."

Nesse ponto, a postura da testemunha desapareceu completamente. Não havia nenhum sujeito em nenhuma parte do universo; não havia nenhum objeto em nenhuma parte do universo; havia apenas o universo. Tudo estava surgindo momento a momento e estava surgindo em mim e como eu; por outro lado, não havia nenhum eu. É muito importante compreender que esse estado não foi uma perda das faculdades, mas uma amplificação delas; não foi um transe vazio e sim perfeita claridade; não despersonalizado mas transpersonalizado. Nenhuma das faculdades pessoais – linguagem, lógica, conceitos, habilidades motoras – foi perdida ou enfraqueceu-se. Ao contrário, pela primeira vez pareceu-me que todas elas funcionavam em radical abertura, livres das defesas impostas pela sensação de um self separado. Esse estado radicalmente aberto, indefeso e perfeitamente não-dual foi, ao mesmo tempo, incrível e profundamente comum, tão extraordinariamente comum que nem mesmo foi notado. Não havia ninguém lá para compreendê-lo até que eu saísse dele (acho que cerca de três horas depois).

Em outras palavras, enquanto naquele estado, que não era absolutamente nenhuma experiência, havia somente aquele estado, que era a totalidade de tudo surgindo momento a momento. Eu não observava ou experienciava nada, simplesmente era tudo. Não podia ver, porque era tudo visto; não podia ouvir, porque era tudo ouvido; não podia saber porque era tudo sabido. Daí porque ele é, ao mesmo tempo, o grande mistério e o perfeitamente óbvio. Mas foi somente quando de que estava naquele estado que realmente não estava mais nele. O seu reconhecimento ou experiência é muito, muito menos que o estado em si mesmo. Para experienciar aquele estado tive que me separar dele (isto é, destruí-lo).

Daí em diante, tornei-me profundamente desconfiado dos transpersonalistas que falam dos estados superiores como "realidades experienciais", apesar de ter feito o mesmo em Spectrum. Também vi a perfeita inadequabilidade do paradigma de "estados alterados", extremamente útil em outros casos, para tratar do derradeiro domínio espiritual, porque esse domínio, esse "não-domínio", é, em verdade, o que todos os estados têm em comum, e o que todos os estados têm em comum não é, em si mesmo, outro estado, do mesmo modo que o alfabeto não é outra letra.

Mas todo esse período, percorrendo os domínios sutis, lutando com o complexo de Vishnu e penetrando no Dharmakaya – embora de maneira parcial, inicial e incompleta – proporcionou-me, pelo menos, uma introdução em primeira mão, razoavelmente sólida, às várias esferas mais elevadas da consciência. Com essa experiência, fui capaz, com maior facilidade, de retornar à literatura das tradições transpessoais e desenvolver uma classificação bastante exaustiva dos vários domínios superiores, muito freqüentemente condensados e chamados de "transpessoais", "transcendentes" ou "místicos". Como mencionei anteriormente, foi aí que subdividi o domínio transpessoal em pelo menos quatro ou cinco níveis baseados em análises estruturais. Com essas subdivisões do espectro, além daquelas provenientes de Eden, finalmente senti que chegara a uma cartografia mais completa da consciência, uma que, longe de ser perfeita e, ocasionalmente, ainda escorregadia, pelo menos tinha o mérito da abrangência. Os refinamentos poderiam vir ao longo dos anos; por enquanto, essa cartografia foi apresentada em The Atman Project, com extensas tabelas de referência mostrando como as principais psicologias orientais e ocidentais se encaixavam nela.

UM MODELO DE MEDITAÇÃO

Este período também ajudou-me a montar um modelo experimental da natureza e função da meditação, um modelo baseado tanto na prática pessoal quanto no estudo teórico. A maioria dos modelos ocidentais de meditação cai em um de dois campos: a escola fisiológica/neurológica/padrões-cerebrais e a escola cognitiva/psicológica. A primeira vê a meditação como redução sensorial, lateralização hemisférica, uma resposta ao relaxamento, variáveis ergotrópicas/trofotrópicas, padrão cerebral alterado ou metabolismo reduzido. A segunda vê a meditação como uma dessensibilização super-Wolpiana, regressão a serviço do ego, desautomatização, alteração cognitiva ou estratégia de auto-regulação.

Acho que cada uma dessas teorias tem o seu mérito, mas o que todas tendem a não considerar é precisamente, para mim, o âmago, a própria essência da meditação. Consideremos qualquer importante sistema de meditação: os detalhados estágios dhyana/prajna de Buda; os oito passos dos Yoga Sutras de Patanjali; a contemplação Taoista hierárquica de Lao Tsé; o abrangente sistema de meditação Zen representado pelos estágios do pastoreio do boi; o curso multinível de contemplatio de Hugo de São Victor; os estágios específicos e detalhados ensinados por Santa Teresa d'Ávila e São João da Cruz; a tradição completa da ioga kundalini/tântrica. O que todos têm em comum é uma visão da meditação, não como uma resposta ao relaxamento, ou uma privação sensorial, ou uma estratégia de auto-regulação, mas sim como um desenrolar hierárquico de sucessivas estruturas superiores de consciência. Para ser preciso, eles a vêem como um processo de desenvolvimento, composto de estágios especificáveis, de tal modo que cada estágio engloba uma estrutura distinta de consciência. (Anteriormente, mencionei que havia pelo menos cinco dessas estruturas ou níveis mais elevados, porém muitas cartografias tradicionais contêm até vinte e cinco estágios/níveis de consciência meditativa). Desde os estágios dhyana/prajna de Buda até os estágios de sublimação dos chakras do kundalini, o ponto central é que são estágios de desenvolvimento. Em verdade, esses tradicionalistas não foram somente os primeiros estruturalistas; foram também os primeiros verdadeiros psicólogos do desenvolvimento.

Minha opinião é que na pressa de fazer uma ponte entre as psicologias ocidental e oriental, olhamos absolutamente para tudo, exceto para a psicologia desenvolvimentista/estrutural. Assim, uma vez que a essência das tradições orientais é uma visão fenomenológico/desenvolvimentista/estrutural dos domínios superconscientes e que a psicologia ocidental possui uma bem detalhada visão fenomenológico/desenvolvimentista/estrutural dos domínios auto-consciente e subconsciente, a ponte mais imediata e indolor seria simplesmente adicioná-las, exatamente como são. Bem, de qualquer modo, esta foi a abordagem que segui em The Atman Project.

A necessidade para esta abordagem multidimensional torna-se completamente óbvia quando compreendemos que não existem somente vários níveis de consciência meditativa, mas também diversos caminhos diferentes para atingir-se cada nível. Isto porque todos os níveis mais elevados de consciência possuem diferentes componentes ou dimensões (que em breve chamarei de "estruturas superficiais"), do mesmo modo que suas contrapartes mais baixas – componentes tais como motivação, cognição, identidade, afeição e despertar. Então, como sugerido por Tart, diferentes práticas meditativas podem atingir diferentes dimensões ou componentes. Por exemplo, a Ioga Kundalini atinge o nível sutil-superior via exercícios hiperintensivos e técnicas de despertar do afeto, enquanto a Meditação Transcendental aproxima o mesmo nível através de relaxamento profundo, mas alerta, e da sublimação do pensamento. O ponto é esse, mesmo que você assuma que há somente cinco níveis superiores com quatro componentes cada, você já tem vinte abordagens meditativas com diferenças significativas, um fato que torna ridículas tais ingenuidades como "meditação é uma resposta ao relaxamento."

Todavia, é importante ressaltar que, subjacente a esses complexos conjuntos de dados ("vinte diferentes técnicas de meditação"), existe um padrão essencialmente simples. Isto tornou-se especialmente aparente para mim com Eden, porque lá se apresentou uma imensa quantidade de dados interculturais que, aparentemente, desafiavam qualquer simplificação. Modificando consideravelmente o significado de alguns termos da linguística transformacional, comecei, simplesmente, a diferenciar estruturas profundas e estruturas superficiais. Como usado em Atman e Eden, a estrutura profunda é a forma definidora de um dado nível de consciência, enquanto a estrutura superficial é qualquer variável ou componente daquele nível.

Por exemplo, Piaget mostrou que o desenvolvimento cognitivo se dá através de quatro estágios/níveis básicos: sensório-motor, pré-operacional, operacional concreto e operacional formal. Cada um deles é uma estrutura profunda, um conjunto especificável de operações que, holisticamente, governa as atividades de cognição do respectivo nível. Entretanto, a estrutura profunda não especifica, e não pode, o conteúdo de um pensamento particular do nível. Esses particulares são estruturas superficiais. Assim, as estruturas superficiais são restringidas pela forma da estrutura profunda, porém, no interior desse limite, elas são variáveis (exceto, obviamente, na medida em que forem condicionadas por outras estruturas superficiais: os pensamentos que tive ontem afetam e condicionam os pensamentos que tenho hoje, mas ambos são igualmente restringidos pela estrutura profunda do meu nível de desenvolvimento presente).

Sem repetir toda a argumentação, o ponto é que este tipo de análise estrutural permite-nos traçar um número discreto de superfícies profundas subjacentes a variados fenômenos superficiais, e isto simplifica em muito o quadro não só da meditação, como também do desenvolvimento da consciência como um todo. O que fazemos em pesquisa da meditação (ou pesquisa da consciência em geral) é olhar para conjuntos de dados, ou grupos de fenômenos específicos, que, embora aparentemente diferentes, são, na realidade, estruturas superficiais compartilhando uma mesma estrutura profunda. Definimos as várias estruturas profundas, especificando sua forma holística e/ou padrões operativos. A seguir, arrumamos hierarquicamente as estruturas profundas de acordo com uma das três regras gerais: (1) acesso – uma estrutura mais elevada tem acesso total a uma mais baixa, mas não vice-versa; (2) desenvolvimento – quanto mais elevado o estado, mais tarde ele tende a emergir numa sequência de desenvolvimento (isto é verdadeiro em todas as tendências evolucionárias, plantas após pedras, animais após plantas, humanos após animais, e assim por diante); (3) caixa chinesa – um estado mais elevado contém todas as funções ou capacidades de um mais baixo, mas não vice-versa (por exemplo, uma planta contém minerais, porém minerais não contêm plantas), e o estado superior possui capacidades não disponíveis no mais baixo. Uma vez estabelecida essa hierarquia, ela pode ser apresentada de duas maneiras básicas, como ressaltado por Schumacher (1977): se o estado mais baixo é A, o próximo é A+B, o seguinte A+B+C e assim por diante; se o estado mais elevado é A, o seguinte mais baixo é A-B, o seguinte A-B-C e assim por diante. Em ambos os casos, simplesmente especifica-se detalhadamente os parâmetros de A, B, C....

Esta foi a abordagem utilizada tanto em Eden como em Atman. Ela ajudou-me a entender que técnicas de meditação bem diversas podem conduzir ao mesmo nível básico dos domínios superconscientes; ou que, por exemplo, o yidam do Budismo, o ishtadeva do Hinduísmo e o arcanjo do Cristianismo, embora com formas exteriores muito diferentes, compartilham, na verdade, da mesma estrutura profunda básica (aquela do domínio sutil superior); ou que sábios místicos como Cristo, Krishna e Buda descobriram o mesmo domínio causal-espiritual mas o expressaram através de diferentes estruturas superficiais (o que atrasou a compreensão de que há, nas palavras de Schuon, "uma unidade transcendente das religiões" – não unidade de estrutura exotérica/superficial, mas unidade de estrutura esotérica/profunda ).

Tudo isso, finalmente, levou a uma sugestão que me parece absolutamente fundamental: na minha opinião, estruturas superficiais são aprendidas, condicionadas, historicamente contingenciadas e culturalmente relativizadas, enquanto estruturas profundas, uma vez emersas, são interculturais, universais e largamente invariantes. Para dar um exemplo simples, a estrutura profunda do corpo humano é a mesma em qualquer lugar: duzentos e seis ossos, duas pernas, um coração, dois rins etc., mas o que se faz com o corpo – suas estruturas superficiais de trabalho, lazer, atividades aceitáveis etc. – é moldado e condicionado culturalmente. Você não aprende a ter um corpo, mas você aprende a jogar beisebol com ele – estruturas profundas são dadas, estruturas superficiais são condicionadas.

Assim, a força do estruturalismo está em apontar as estruturas profundas ou níveis básicos da consciência que são largamente interindividuais, interculturais e invariantes. Entretanto, o estruturalismo clássico tem muito pouco a nos dizer sobre as estruturas superficiais. Portanto, é necessário suplementar a psicologia das estruturas profundas com disciplinas das estruturas superficiais, disciplinas que tratam do condicionamento histórico real e da moldagem daqueles componentes psicológicos que são variáveis e contingenciáveis. A esse respeito, teorias de reforço mostram-se de excelente utilidade, do mesmo modo que a teoria sistêmica e o funcionalismo. Outra é a hermenêutica ou ciência da interpretação. A hermenêutica é profundamente importante porque o significado das estruturas psicológicas superficiais não pode ser determinado empiricamente; significado, como definido por Husserl, é intenção e interpretação mentais e nenhum teste empírico-sensorial irá esclarecê-lo (por exemplo, dê-me uma prova empírico-científica do significado da produção mental chamada Hamlet). E mais, estruturas superficiais sempre existem em contextos históricos específicos; assim, como a hermenêutica salienta a importância de compreender-se os contextos históricos a fim de determinar-se significados particulares, ela é idealmente apropriada para a pesquisa das estruturas superficiais.

Desse modo, minha abordagem global foi usar a psicologia fenomenológico-desenvolvimentista e o estruturalismo para determinar as estruturas profundas da consciência, e a teoria sistêmica/funcionalismo, além da hermenêutica histórica, para elucidar as estruturas superficiais. Em minha opinião, o ponto é que a mesma abordagem básica se aplica ao estudo da meditação, porque meditação é, simplesmente, desenvolvimento de níveis superiores.

Essa abordagem para a meditação, além de produzir seus próprios resultados positivos, alivia-nos de diversos juízos falsos. Refiro-me especificamente a duas predominantes e difundidas estratégias de pesquisa. Uma é a busca de "mecanismos que produzem os efeitos da meditação" e a outra é a busca de "correlações fisiológicas específicas dos estados meditativos". Com certeza, essas são noções importantes, mas se consideradas isoladamente, têm como efeito a depreciação da validade fenomenológica dos estados de meditação em si. De fato, em muitos casos, o uso de abordagens como a da correlação fisiológica tem como consequência invalidar o desenvolvimento meditativo em si mesmo (um prelúdio para a conclusão, "Bem, vocês sabem, esses estados místicos são simples padrões cerebrais anormais; eles não são realmente transpessoais – são apenas alterações no sistema nervoso do indivíduo.")

Quando Piaget descobriu que as pessoas passam por uma importante transformação cognitiva, do pensamento pré-operacional para o operacional concreto, não houve grande exigência para buscar evidências de uma igualmente drástica mudança na fisiologia cerebral. Quando Kohlberg descobriu seis grandes estágios de desenvolvimento moral, ninguém gritou por "um mecanismo que produzisse tais efeitos." A razão é que tais transformações podem ser demonstradas – e provadas – pelas ciências desenvolvimentistas, fenomenológicas, estruturais e interpretativas (foi precisamente isso que Piaget e Kohlberg fizeram). O mesmo deve ser aplicado a meditação e transcendência. Estudos fisiológicos, mecanismos, reforços comportamentais e ondas cerebrais podem assumir importantes papéis, embora secundários e subsidiários. Por outro lado, aqueles transpersonalistas que exegeticamente abraçam os paradigmas da psicologia personalista (auto-regulação comportamental, fisiologia mecanicista) numa tentativa de serem aceitos por seus pares ortodoxos, simplesmente correm o risco de não só violar a fenomenologia do seu próprio campo ao reduzi-la a dimensões personalistas, como também de induzir a psicologia ortodoxa a pensar que as preocupações transpessoais podem ser absorvidas (e portanto dispensadas) pelos seus próprios paradigmas personalistas. Isto já aconteceu com as abordagens fisiológicas e as abordagens de alteração de comportamento; se esta tendência continuar, em breve teremos uma ridícula psicologia transpessoal pessoal. Naturalmente, meu sentimento é que a psicologia transpessoal negará e preservará a psicologia personalista; aqueles que somente negarem ou somente preservarem, terão muito pouco a oferecer.

Minha peregrinação pelos domínios moral, intelectual e contemplativo continua. Quanto a meus escritos, se irão mostrar-se úteis a outras pessoas ou mera tagarelice subjetiva, pelo menos têm dado à minha vida um significado, um contexto, uma direção, uma sanção. Continuo a trabalhar, a estudar, a escrever, a contemplar; em resumo, continuo o caminho, o "processo que admite seu fim no seu começo". Costumava pensar que se adota um caminho exclusivamente para atingir-se um objetivo. Aprendi algo melhor: o verdadeiro caminho é, em si mesmo, o objetivo supremo. Como o Dogen Zenji se referiu ao estado supremo: "Não resta nenhum vestígio de iluminação, e essa iluminação sem vestígio continua para sempre." Assim, todos nós ainda somos, e sempre seremos, os peregrinos.


Tradução de Ari Raynsford