Anexo "A"

A Espiral do Desenvolvimento

(Excertos do livro Integral Psychology de Ken Wilber)


Clare Graves foi um dos primeiros (juntamente com James Mark Baldwin, John Dewey e Abraham Maslow) a considerar um esquema desenvolvimentista e mostrar sua extraordin�ria aplicabilidade numa ampla gama de atividades, em neg�cios, no governo, em educa��o.


O trabalho de Graves foi retomado e ampliado significativamente por Don Beck. Spiral Dynamics, escrito com seu colega Christopher Cowan (eles fundaram o National Values Center), � uma magistral aplica��o de princ�pios desenvolvimentistas em geral (e de princ�pios de Graves em particular) para um vasto leque de problemas socioculturais. Longe de serem analistas de escrit�rio, Beck e Cowan participaram das discuss�es que culminaram com o fim do apartheid na �frica do Sul (e depois prosseguiram, usando os mesmos princ�pios, montando a estrat�gia de "cora��es e mentes" da equipe de rugby sul-africana, que venceu a Copa do Mundo de 1995). Os princ�pios da Espiral do Desenvolvimento foram aplicados frutiferamente para reorganizar neg�cios, revitalizar comunidades, reformar sistemas educacionais e apagar o estopim de tens�es internas em cidades.

A situa��o na �frica do Sul � um excelente exemplo de como o conceito de n�veis de desenvolvimento (cada um com sua pr�pria vis�o-de-mundo, valores e necessidades) pode realmente reduzir, e mesmo suavizar, tens�es sociais, e n�o exacerb�-las. A Espiral do Desenvolvimento v� o desenvolvimento humano segundo oito n�veis de consci�ncia ou estruturas profundas: instintivo (urob�rico), animista/tribal (tif�nico-m�gico), deuses de poder (m�gico-m�tico), absolutista/religioso (m�tico), individualista/conquistador (racional-eg�ico), relativista (vis�o-l�gica inferior), sistem�tico/integrativo (vis�o-l�gica m�dia) e global/hol�stico (vis�o-l�gica superior). N�o s�o n�veis r�gidos, mas ondas fluidas que se sobrep�em e se interconectam, resultando numa teia ou espiral din�mica do desdobramento da consci�ncia.

A abordagem liberal t�pica para dissolver tens�es sociais � tratar igualmente todos os valores e depois tentar for�ar um nivelamento ou redistribui��o de recursos (dinheiro, direitos, mercadorias, terras), ao mesmo tempo em que deixa os valores intocados. A abordagem conservadora t�pica � considerar seus valores particulares e tentar impingi-los a todo mundo. A abordagem desenvolvimentista � reconhecer que h� muitos valores e vis�es-de-mundo diferentes; que uns s�o mais complexos que outros; que muitos problemas de um est�gio de desenvolvimento s� podem ser minorados pela evolu��o para um n�vel mais elevado; e que somente reconhecendo e facilitando essa evolu��o poder� alcan�ar-se, finalmente, a justi�a social. Mais ainda, reconhecendo que todas as pessoas possuem todos esses n�veis potencialmente dispon�veis, as linhas de tens�o social s�o redesenhadas: n�o em termos de cor da pele, classe econ�mica ou ideologia pol�tica, mas sim no tipo de vis�o-de-mundo no qual a pessoa, grupo de pessoas, cl�, tribo, neg�cio, governo, sistema educacional ou na��o est� operando. Como ressaltado por Beck, "o foco n�o � em tipos de pessoas, mas em tipos nas pessoas". Isto tira a cor da pele do jogo e focaliza alguns dos verdadeiros fatores subjacentes (valores e vis�es-de-mundo) que geram as tens�es sociais; foi exatamente essa abordagem que ajudou a desmantelar o apartheid na �frica do Sul.


Beck e Cowan usam v�rios nomes e cores para se referir a esses diferentes oito n�veis do ser. Mas estes n�o s�o simplesmente fases que passam, no desdobramento do self; s�o capacidades e estrat�gias de atua��o permanentemente dispon�veis que, uma vez emersas, s�o ativadas conforme as condi��es de vida apropriadas (e.g. instintos de sobreviv�ncia podem ser ativados em situa��es de perigo; capacidades de liga��o s�o ativadas em relacionamentos humanos �ntimos, e assim por diante).

Os seis primeiros n�veis s�o "n�veis de subsist�ncia" marcados pelo "pensamento de primeira-camada". A partir da�, ocorre uma guinada revolucion�ria na consci�ncia: a emerg�ncia dos "n�veis do ser" e do "pensamento de segunda-camada". A seguir, uma breve descri��o das oito ondas, a percentagem da popula��o mundial em cada onda e a percentagem de poder social que cada uma det�m.

N�veis de Subsist�ncia (Pensamento de Primeira-camada)

1. Bege: Arcaico-Instintivo

N�vel b�sico de sobreviv�ncia; alimento, �gua, aquecimento, sexo e seguran�a s�o priorit�rios. Usa h�bitos e instintos apenas para sobreviver. A individualidade est� no in�cio do despertar e quase n�o se sustenta. Re�ne-se em bandos de sobreviv�ncia para perpetuar a vida.

Onde � encontrado: primeiras sociedades humanas, rec�m-nascidos, pessoas senis, pessoas em est�gio avan�ado do mal de Alzheimer, moradores de rua mentalmente doentes, massas famintas, pessoas com traumas de guerra.

0,1% da popula��o mundial adulta. 0% de poder.

2. Roxo: M�gico-Animista

O pensamento � animista; esp�ritos m�gicos, bons e maus, fervilham pela Terra trazendo b�n��os, maldi��es e encantamentos que determinam os acontecimentos. Re�ne-se em tribos �tnicas. Os esp�ritos existem nos antepassados e aglutinam a tribo. Parentesco e linhagem estabelecem os v�nculos pol�ticos. Aparenta ser "hol�stico" mas na verdade � atom�stico: "H� um nome para cada curva do rio mas nenhum nome para o rio."

Onde � encontrado: cren�a em maldi��es do tipo vodu, juramentos de sangue, ressentimentos antigos, feiti�os de boa-sorte, rituais de fam�lia, supersti��es e cren�as �tnicas m�gicas. Forte em comunidades do terceiro-mundo, gangues, equipes esportivas e "tribos" corporativas.

10% da popula��o mundial. 1% de poder.

3. Vermelho: Deuses de Poder

Primeira emerg�ncia do self distinto da tribo; poderoso, impulsivo, egoc�ntrico, her�ico. Esp�ritos m�gico-m�ticos, drag�es, feras e gente poderosa. Deuses e deusas arquet�picos, seres poderosos, for�as com que se pode contar, tanto boas quanto m�s. Senhores feudais protegem os servos em troca de obedi�ncia e trabalho. A base dos imp�rios feudais � poder e gl�ria. O mundo � uma selva cheia de amea�as e de predadores. Conquista, engana e domina; aproveita ao m�ximo, sem desculpa ou remorso.

Onde � encontrado: "Terrible twos", juventude rebelde, mentalidades de fronteira, reinos feudais, her�is �picos, vil�es de James Bond, l�deres de gangues, soldados mercen�rios, narcisismo new-age, astros de rock pesado, �tila o Huno, "Lord of the Flies".

20% da popula��o mundial. 5% de poder.

4. Azul: Regra Conformista

A vida tem significado, dire��o e prop�sito, com eventos determinados por um todo-poderoso Outro ou Ordem. Esta Ordem justa imp�e um c�digo de conduta baseado em princ�pios absolutos e invari�veis de "certo" e "errado". A viola��o do c�digo ou das regras apresenta severas, e talvez permanentes, repercuss�es. A obedi�ncia ao c�digo gera recompensas para os fi�is. Base das na��es antigas. Hierarquias sociais r�gidas; paternalista; um, e apenas um, modo correto de pensar sobre tudo. Lei e ordem; impulsividade controlada atrav�s da culpa; cren�a concreto-literal e fundamentalista; obedi�ncia � regra da Ordem. Freq�entemente, a Ordem ou Miss�o � "religiosa" [no sentido da associa��o-m�tica; Graves e Beck referem-se a isto como o n�vel "santo/absolutista"], mas pode ser secular ou at�ia.

Onde � encontrado: Am�rica Puritana, China Confucionista, Inglaterra Dickensiana, disciplina de Singapura, c�digos de cavalheirismo e de honra, boas-a��es caridosas, Fundamentalismo Isl�mico, Escoteiros e Bandeirantes, "maioria moralista", patriotismo.

40% da popula��o mundial. 30% de poder.

5. Laranja: Realiza��o Cient�fica

Neste n�vel, o self "liberta-se" da "mentalidade de rebanho" do n�vel azul e procura a verdade e o significado em termos individualistas � hipot�tico-dedutivos, experimentais, objetivos, mecanicistas, operacionais � "cient�ficos" no sentido t�pico. O mundo � uma m�quina racional bem lubrificada com leis naturais que podem ser aprendidas, controladas e manipuladas visando a interesses pr�prios. Altamente orientado para a conquista de objetivos; na Am�rica, especialmente para ganhos materiais. As leis da ci�ncia regulam a pol�tica, a economia e os acontecimentos humanos. O mundo � um tabuleiro de xadrez onde partidas s�o jogadas e os vencedores conquistam superioridade e privil�gios em detrimento dos perdedores. Alian�as de mercado; manipula��o dos recursos naturais visando a ganhos estrat�gicos. Base dos estados corporativos.

Onde � encontrado: O Iluminismo, Atlas Shrugged de Ayn Rand, Wall Street, a Riviera, classe m�dia emergente em todo o mundo, ind�stria de cosm�ticos, ca�a de trof�us, colonialismo, a Guerra Fria, ind�stria da moda, materialismo, auto-interesse liberal.

30% da popula��o mundial. 50% de poder.

6. Verde: O Self Sens�vel

Comunit�rio, v�nculo humano, sensibilidade ecol�gica, opera��o em rede. O esp�rito humano deve livrar-se da gan�ncia, dos dogmas, das diverg�ncias; sentimentos e cuidados substituem a fria racionalidade; acalentar a Terra, Gaia, a vida. Contra hierarquias; estabelece liga��es laterais. Self perme�vel, self relacional, interrelacionamento de grupos. �nfase no di�logo e nos relacionamentos. Base das comunidades coletivas (isto �, afilia��es, baseadas em sentimentos comuns, escolhidas livremente). Decide atrav�s da reconcilia��o e do consenso (lado negativo: "processamento" intermin�vel e incapacidade de chegar a decis�es). Renova a espiritualidade, cria harmonia, enriquece o potencial humano. Fortemente igualit�rio, anti-hier�rquico, valores pluralistas, constru��o social da realidade, diversidade, multiculturalismo, sistemas relativos de valores; esta vis�o-de-mundo � freq�entemente denominada de relativismo pluralista. Pensamento subjetivo, n�o-linear; mostra um alto grau de calor humano, sensibilidade e cuidado pela Terra e por todos os seus habitantes.

Onde � encontrado: ecologia profunda, p�s-modernismo, idealismo holand�s, aconselhamento rogeriano, sistema de sa�de canadense, psicologia human�stica, teologia da liberta��o, Conselho Mundial de Igrejas, Greenpeace, direitos dos animais, ecofeminismo, p�s-colonialismo, Foucault/Derrida, o politicamente correto, movimentos de diversidade, assuntos de direitos humanos, ecopsicologia.

10% da popula��o mundial. 15% de poder.

N�veis do Ser (Pensamento de Segunda-camada)

7. Amarelo: Integrativo

A vida � um caleidosc�pio de hierarquias naturais (holarquias), sistemas e formas. Flexibilidade, espontaneidade e funcionalidade t�m a m�xima prioridade. Diferen�as e pluralidades podem ser integradas em fluxos naturais interdependentes. Igualdade � complementada por graus naturais de excel�ncia, onde apropriado. Conhecimento e compet�ncia devem substituir posi��o, poder, status ou grupo. A ordem mundial prevalecente � resultado de diferentes n�veis de realidade e dos inevit�veis padr�es de movimento para cima e para baixo na espiral do desenvolvimento. Boa autoridade facilita a emerg�ncia de entidades atrav�s dos n�veis de crescente complexidade (hierarquia nidiforme).

8. Turquesa: Hol�stico

Sistema hol�stico universal, h�lons/ondas de energias integrativas; une sentimento e conhecimento [centauro]; m�ltiplos n�veis interconectados num sistema consciente. Ordem universal, mas num modo vivo e consciente, n�o baseado em regras externas (azul) ou liga��es de grupo (verde). � poss�vel uma "grande unifica��o" em teoria e na pr�tica. Algumas vezes envolve a emerg�ncia de uma nova espiritualidade como uma teia de toda a exist�ncia. O pensamento turquesa usa a espiral completa; v� m�ltiplos n�veis de intera��o; detecta harm�nicos, as for�as m�sticas e os estados de fluxos que permeiam todas as organiza��es. ... A diretriz fundamental � a sa�de da espiral completa e n�o o tratamento preferencial para algum n�vel espec�fico.

Pensamento de segunda-camada: 1% da popula��o mundial. 5% de poder. Onde � encontrado: com apenas 1% da popula��o no pensamento de segunda-camada (e somente 0,1% no n�vel turquesa), a consci�ncia de segunda-camada � relativamente rara, sendo, atualmente, a "ponta de lan�a" da evolu��o coletiva da humanidade. Como exemplos, Beck e Cowan mencionam itens como a noosfera de Teilhard de Chardin e o crescimento da psicologia transpessoal, com aumentos na freq��ncia definitivamente a caminho � e mesmo n�veis mais elevados em futuro pr�ximo...

Tradu��o de Ari Raynsford