See also: WILBER'S WRITINGS ON THE CURRENT WORLD CRISIS

A Guerra no Iraque

Ken Wilber

Al� amigos,

Permitam-me tecer alguns coment�rios sobre uma situa��o em que praticamente nada pode ser dito, ou escutado, com equanimidade: a guerra no Iraque.

Durante muitos anos - na verdade, por cerca de tr�s d�cadas - recusei, respeitosamente, qualquer tipo de entrevista detalhada sobre meu trabalho, simplesmente porque n�o desejava que a minha pessoa fosse o foco; queria que fossem focadas as id�ias em si; assim, mantive um perfil p�blico muito discreto (estou certo de que n�o preciso dizer isto � maioria de voc�s).

Cerca de um ou dois anos atr�s, abri uma exce��o para meu amigo Jordan Gruber, que fez um trabalho magn�fico produzindo Speaking of Everything.[1] H� muito tempo prometera a outra amiga, Tami Simon, da Sounds True (a maior produtora mundial de �udio), que, se algum dia desse uma entrevista completa sobre minha obra, eu o faria atrav�s dela e da Sounds True. Tami � uma mulher not�vel, uma das minhas amigas favoritas. Assim, no m�s passado, pensei: que diabos, vamos faz�-la. Tami e sua equipe vieram ao meu apartamento em Denver e, durante 4 ou 5 dias, gravamos aproximadamente 20 horas de material, cobrindo, basicamente, todos os fundamentos: quadrantes, n�veis, linhas, estados e tipos, mais todas as coisas necess�rias, pessoais, embara�osas, humilhantes, que acompanham este tipo de trabalho (:-). No pr�ximo outono, Tami planeja lan�ar um conjunto de 10 CDs chamado, eu acho, Kosmic Consciousness, com todas aquelas 20 horas de grava��o, para pessoas t�o perturbadas a ponto de achar esta possibilidade interessante.

Durante a longa discuss�o, naturalmente veio � tona o t�pico sobre a guerra no Iraque: o que poderia significar, por que estava acontecendo, qual era o papel dos protestos, e assim por diante. At� ent�o, eu havia feito uma �nica declara��o sobre a situa��o no Oriente M�dio - "The Deconstruction of the World Trade Center" [postado no site wilber.shambhala.com] - e esta declara��o ainda cont�m minha posi��o geral sobre esta (ou qualquer) guerra. Quando fui instado a me pronunciar especificamente sobre a atual guerra no Iraque, falei somente o seguinte:

Voc� gostaria de adicionar alguma coisa desde que escreveu "A Desconstru��o do World Trade Center"?

N�o, mas lembre-se: se voc� for verde, voc� � contra a guerra. Mas se for contra a guerra, n�o � necessariamente verde. Existem raz�es de segunda-camada para n�o se ir � guerra. Por�m, tamb�m h� raz�es de segunda-camada para se ir � guerra. Os verdes n�o t�m escolha - eles n�o ir�o. A segunda-camada tem escolha; portanto, pese cuidadosamente as evid�ncias. De fato, a segunda-camada pode ou n�o recomendar a guerra. Mas voc� pode verificar se � "meramente" verde, perguntando-se sob que condi��es recomendaria a guerra. Se n�o conseguir pensar em nenhuma, ent�o bem-vindo ao verde. Ainda assim, o assunto � imensamente complicado, mesmo atrav�s de lentes integrais; portanto, pese cuidadosamente as evid�ncias.

O grande problema dessa discuss�o � que � inteiramente de primeira-camada. O azul diz: bombardeie o inferno daqueles malditos; o laranja diz: est� bem, mas apresse-se porque voc� est� prejudicando o mercado de a��es; o verde diz: de jeito nenhum, sejamos amorosos. A primeira-camada tem muita dificuldade para observar grandes imagens, da� mover-se em torno das estruturas parciais de valores que a definem. Estou me mantendo fora desta discuss�o desde o ensaio sobre o WTC. �, basicamente, uma grande briga de foice de primeira-camada.

Infelizmente, o mundo necessita de a��o integral. Infelizmente, n�o a conseguiremos, indo ou n�o � guerra. Assim, � melhor acender uma vela do que reclamar da escurid�o. Portanto, trabalhemos em n�s mesmos e tentemos aumentar nossa pr�pria consci�ncia integral, um passo a cada dia, de modo que, no final, deixemos o mundo um pouquinho mais inteiro do que o encontramos�

Farei agora mais algumas considera��es, n�o porque acredite que vozes mais sensatas possam ser ouvidas, e n�o porque acredite que tenha uma voz mais sensata, mas simplesmente porque as vozes insensatas s�o t�o agudas, que umas poucas palavras in�teis a mais n�o far�o mal a ningu�m.

Iniciemos repetindo uma pergunta feita por Tami. Hav�amos terminado a "primeira metade" da entrevista, que tratou do material te�rico, e agora est�vamos falando sobre suas aplica��es no mundo real, nada sendo mais real do que a guerra. Tami perguntou-me, "Se voc� pudesse consertar a situa��o do mundo, o que voc� faria? Qual � sua vis�o ut�pica para tratar as guerras?"

Como normalmente fa�o, usei os termos da Espiral do Desenvolvimento Integral de Don Beck para explicar alguns pontos. Os estudantes da minha obra sabem que, na minha opini�o, a Espiral do Desenvolvimento focaliza uma �nica linha de desenvolvimento - aquela de valores (vMemes) - entre, no m�nimo, duas d�zias de outras linhas de desenvolvimento (cognitiva, interpessoal, psico-sexual, matem�tica, cin�tica, etc.). Mas � uma linha t�o importante, facilmente entend�vel, que possibilita uma excelente vis�o introdut�ria. Don situou esta linha na estrutura TQTN[2] (que ele chama tamb�m 4Q/8N, "quatro quadrantes, oito n�veis na linha") para produzir a Espiral de Desenvolvimento Integral, uma maravilhosa vers�o de uma psicologia integral. � claro que aqui n�o estou falando nem em nome de Don, nem em nome da Espiral de Desenvolvimento, mas sim da minha pr�pria psicologia integral, por�m usando, felizmente, alguns termos da Espiral de Desenvolvimento Integral para continuar a argumenta��o.

Como um ponto de partida ut�pico, em resposta � pergunta de Tami, sugiro, a seguir, umas poucas coisas de como poderia ser um sistema de governo mundial que funcionasse no amarelo. "Amarelo" � o n�vel de consci�ncia no qual a "segunda-camada", ou a consci�ncia realmente integral, come�a a emergir. Portanto, ele contrasta com os seis n�veis ou vMemes anteriores, que s�o chamados de primeira-camada, cada um dos quais acredita que seu sistema de valores � o �nico verdadeiro, correto ou que valha mesmo a pena existir. Muito resumidamente, esses n�veis de primeira-camada s�o: bege: instintivo; roxo: m�gico-animista, tribal; vermelho: egoc�ntrico, poderoso, feudal; azul: associa��o-m�tica, conformista, fundamentalista, etnoc�ntrico, tradicional; laranja: excel�ncia, conquista, progresso, moderno; verde: p�s-moderno, multicultural, sens�vel, pluralista.

Essas ondas de primeira-camada s�o seguidas por aquilo que Clare Graves chamou de "o importante salto de significado" para a segunda-camada, apresentando, at� o momento, dois n�veis ou ondas de consci�ncia principais: amarelo: sist�mico, flex�vel, fluente; turquesa: unidade c�smica, integrativo, hierarquias nidiformes de interrelacionamento, holismo, unidade-na-diversidade. O foco da discuss�o ut�pica � simples: como poder� ser um mundo cujo centro de gravidade estiver na segunda-camada? A seguir, usarei os termos "segunda-camada", "integral", "amarelo" e "turquesa" indiferentemente; os pontos que desejo ressaltar s�o muito gen�ricos.

A raz�o pela qual Graves chamou a segunda-camada de um "salto importante" � que, diferentemente de todas as ondas de primeira-camada (que imaginam que seus valores s�o os �nicos corretos), a segunda-camada compreende a crucial import�ncia, embora relativa, de todos os valores pr�vios - incluindo os valores vermelhos, azuis, laranjas e verdes. O laranja acha que o verde � desmiolado; o verde despreza o laranja; o azul acredita que ambos v�o queimar eternamente no inferno. Por outro lado, o amarelo sabe que todos s�o necess�rios e aceit�veis, desde que nenhum deles levante a m�o e comece a reprimir os outros. � escusado dizer que isto teria uma profunda influ�ncia numa Federa��o Mundial que operasse no amarelo ou pelos valores de segunda-camada.

Existem dois pontos fundamentais a ter-se em mente sobre um futuro sistema de governo mundial. O primeiro � que as leis, para serem leis, s�o promulgadas pelo mais elevado n�vel m�dio de desenvolvimento esperado do sistema de governo. No mundo atual, por exemplo, a maioria das leis nas democracias ocidentais origina-se do n�vel laranja: globoc�ntrico, p�s-convencional e moderno (ou como nossos amigos franceses expressaram pela primeira vez o meme laranja h� 300 anos: liberdade, igualdade, fraternidade). Muitos pa�ses continuam a funcionar basicamente no n�vel azul: conformista, n�o-democr�tico (ditatorial ou totalit�rio), sustentado, n�o por evid�ncias, mas por dogmas (marxistas, mu�ulmanos e outros), e etnoc�ntrico (creia no Livro ou queime no inferno). Algumas c�lulas terroristas (para n�o mencionar gangues de rua) continuam no vermelho: hierarquias de poder incipiente apoiadas pela for�a bruta, implantadas normalmente por tortura, estupro ou quaisquer meios necess�rios para manter um chefe guerreiro no poder. Embora estruturas vermelhas e azuis possam parecer muito brutais, e frequentemente o s�o, elas devem ser compreendidas no contexo: usualmente s�o as melhores que podem ser obtidas sob dadas circunst�ncias e condi��es.

Assim, perguntamos, como poderia ser um sistema de governo - uma Federa��o Mundial - se funcionasse a partir da segunda-camada e implantasse suas leis fundamentais de um centro de gravidade amarelo (ou superior)? Mas antes de respondermos, h� um segundo item b�sico a ser considerado, isto �: independentemente de qu�o elevada uma sociedade possa ser - incluindo aquela em que o centro de gravidade seja amarelo - todos nessa (e em qualquer sociedade) nascem na estaca-zero. S� porque uma sociedade � "amarela", n�o significa que todos nesta sociedade ser�o amarelos; ao contr�rio, muito poucos o ser�o, pelo menos num primeiro momento, do mesmo que hoje, em nossas sociedades laranjas, nem todo mundo est� no laranja; de fato, pelo menos metade da popula��o adulta � pr�-laranja (roxo, vermelho, azul). Apenas nossas leis, em sua maioria, originam-se do laranja.

Isto significa que, mesmo numa "sociedade integral" (amarela ou superior), haver� bols�es ou subculturas de indiv�duos no roxo, vermelho, azul, laranja e verde. Isto n�o � somente inevit�vel, como � saud�vel, normal e desej�vel. Entretanto, o que n�o � desej�vel � que qualquer dessas ondas domine o sistema de governo e, portanto, tente impingir seus valores �s outras - sejam valores vermelhos, azuis, laranjas ou verdes. Resumindo, uma sociedade amarela teria leis que se originariam basicamente daquele n�vel de consci�ncia de segunda-camada. E a caracter�stica fundamental definidora do amarelo � que ele aceita todos os valores anteriores, sem permitir que nenhum deles reprima ou domine os outros.

Portanto, uma Federa��o Mundial, de segunda-camada, integral, - em minha vis�o ut�pica - impediria que os memes de primeira-camada dominassem, atacassem ou explorassem quaisquer popula��es. Se necess�rio, uma Federa��o Mundial usaria o poder de pol�cia, exatamente como todas as democracias contempor�neas, que possuem uma for�a policial interna para restringir homic�dios, estupros, assaltos, extors�es, etc. Algu�m cujo centro de gravidade seja verde n�o cometer� assassinatos, estupros ou assaltos. Entretanto, algu�m cujo centro de gravidade seja vermelho far� qualquer uma dessas coisas, algumas vezes at� alegremente. E como todos nascem na estaca-zero e devem progredir atrav�s do roxo, vermelho, azul, e assim por diante, algum tipo de pol�cia ser� sempre necess�rio para proteger as pessoas daquelas que n�o evolu�rem at� um n�vel globoc�ntrico de cuidado e compaix�o.

Assim, uma Federa��o Mundial teria, necessariamente, algum tipo de pol�cia. Chamemo-la de Guarda Mundial. Escusado dizer que a Guarda Mundial seria regulamentada pela Federa��o Mundial, e n�o por um pa�s espec�fico (e, com certeza, n�o pela Am�rica, Inglaterra, Fran�a, Alemanha, etc.).

Esta for�a policial N�O estaria autorizada a dizer para as pessoas em que n�vel de consci�ncia deveriam estar; N�O estaria autorizada a controlar o que as pessoas fazem na privacidade de seus lares ou casas; N�O estaria autorizada a coagir ou intimidar as pessoas que n�o se encontrem no n�vel m�dio de desenvolvimento social. Entretanto, estaria autorizada a frustrar (ou punir) todos aqueles que tivessem um comportamento p�blico derivado de um ponto-de-vista que n�o fosse globoc�ntrico. Por exemplo, se na privacidade do meu lar, penso em lan�ar � fogueira todas as pessoas que n�o aceitem Jesus como seu salvador pessoal, estou no meu direito. Por outro lado, se realmente atiro em voc� porque n�o acredita em Jesus, ent�o o Estado - neste caso, a Federa��o Mundial - pode deter-me e encarcerar-me.

A regra simples, j� utilizada implicitamente por todos os sistemas de governo globoc�ntricos (isto �, no laranja ou superior, incluindo a Alemanha, Fran�a, Am�rica, Inglaterra, Jap�o, etc) � a seguinte: no dom�nio do Lado-Esquerdo, pense o que quiser; mas no dom�nio do Lado-Direito, comporte-se fisicamente conforme a lei globoc�ntrica ou poder� ser afastado da esfera p�blica.

Como j� dissemos, nas democracias ocidentais, a "lei da terra" � predominantemente laranja; nos �ltimos trinta anos, ela foi complementada com um n�mero crescente de leis origin�rias da onda verde, incluindo leis de oportunidades iguais de trabalho, leis de direito � seguridade social e leis anti-�dio. Isto significa, por exemplo, que voc� est� autorizado a odiar homossexuais (na privacidade de sua mente do Lado-Esquerdo), mas se expressa publicamente (Lado-Direito) esse �dio (por exemplo, atrav�s de discursos pregando a viol�ncia contra homossexuais), haver� penalidades. Assim, em muitas democracias ocidentais, a liberdade de express�o (um valor cl�ssico laranja e, aqui nos EUA, uma liberdade assegurada pela Primeira Emenda) frequentemente � complementada com limita��es � liberdade de express�o (um valor cl�ssico verde: o verde deseja limitar a express�o que n�o esteja de acordo com seus valores). Meu ponto � que ambos expressam a regra impl�cita que formulei no par�grafo anterior.

Portanto, nesse aspecto, uma Federa��o Mundial n�o poderia ser diferente: podemos pensar o que quisermos; mas devemos nos comportar de acordo com as leis provenientes do centro de gravidade do sistema de governo, neste caso, amarelo. Isto �, os valores incrustados na "lei da terra" n�o seriam laranjas ou verdes, e sim amarelos ou integrais; n�o de primeira-camada, mas de segunda-camada. Do mesmo modo, embora, novamente, as pessoas estejam autorizadas a pensar ou acreditar no que desejarem (Lado-Esquerdo), seu comportamento p�blico (Lado-Direito) seria regulamentado por padr�es amarelos (ou superiores). Como a principal postura do amarelo � integrativa, isto significa que todos os sistemas de valores de primeira-camada teriam seu lugar respeitado, mas nenhum valor de primeira-camada estaria autorizado a colonizar outros.

Isto significaria, por exemplo, que a Am�rica estaria autorizada a desprezar o Iraque (na privacidade de seu espa�o cultural, nacional, do Lado-Esquerdo). Entretanto, a Am�rica n�o estaria autorizada a atacar o Iraque (no campo internacional, p�blico, do Lado-Direito).

Mas esta � apenas metade da hist�ria do que seria permitido a uma Federa��o Integral. De acordo com estimativas conservadoras e incontestes, Saddam Hussein matou aproximadamente duzentos mil curdos e outras duzentas mil pessoas de seu pr�prio povo, muitas vezes, ap�s tortura, estupro ou atrav�s de g�s venenoso. Uma Federa��o Mundial Integral, usando a for�a, se necess�rio, impediria todos esses atos. Nenhum deles se enquadra nos padr�es amarelos e, por conseguinte, nenhum deles seria autorizado por leis mundiais amarelas. A invas�o americana enquadra-se em padr�es azuis-laranjas; e a a��o de Saddam Hussein enquadra-se em padr�es vermelhos. Nenhuma delas seria aceita por uma Federa��o Mundial Integral.

Al�m disso, n�o � necess�rio dizer que, se fossem apresentadas provas incontest�veis de homic�dio em massa numa audi�ncia da Federa��o Mundial, ela invadiria e policiaria o Iraque. Homic�dio em massa em qualquer lugar viola valores globoc�ntricos. � permitido a Saddam Hussein odiar os curdos (na privacidade de sua mente de meme vermelho); n�o � permitido que mate duzentos mil deles com g�s. Se ele fizesse isso, a pol�cia da Federa��o Mundial usaria a��o militar para impedir que Saddam Hussein continuasse a faz�-lo, caso ele n�o parasse voluntariamente e desistisse imediatamente.

Pelas mesmas raz�es, eu pessoalmente acredito que, qualquer movimento de protesto que n�o proteste igualmente contra a invas�o da Am�rica e contra o assassinato de quatrocentas mil pessoas por Saddam, � um movimento que n�o representa verdadeiramente a paz, ou a n�o-agress�o ou valores globoc�ntricos.

N�o tenho conhecimento de nenhum grande movimento que tenha protestado contra ambas as formas de viol�ncia, que tenha insistido numa fim imediato de ambas as agress�es e oferecido um modo poss�vel para sust�-las imediata e efetivamente, a fim de que nenhum lado possa dar continuidade a seus atos homicidas.

Isto �, infelizmente n�o tenho ci�ncia de nenhum movimento integral de protesto no mundo.

Ao inv�s disso, h� principalmente bols�es de azul, laranja e verde, uns na garganta dos outros. N�o h� d�vidas quanto aos valores do Sr. Bush: s�o essencialmente azuis-laranjas. Foram esses valores profundamente fundamentalistas e absolutistas que assustaram muitos outros governos (em particular os da Fran�a, Alemanha e R�ssia); isto � compreens�vel. Tipicamente, a onda azul divide o mundo em bom versus mau e possui um inabal�vel (embora etnoc�ntrico) senso de certo e errado. O "eixo do mal" de Bush � o azul cl�ssico. O pior que pode ser dito sobre a abordagem essencialmente azul de Bush � que ela �, de fato, profundamente etnoc�ntrica e imperialista. O melhor que se pode dizer dela � que cabe ao azul restringir o vermelho, e que os atos de Bush est�o servindo � Espiral como um todo, erradicando bols�es de terrorismo vermelho.

A outra grande fac��o no debate est� representando, essencialmente, valores do meme verde. A onda verde - denominada de "o self sens�vel" por Graves - deseja acabar com todas as guerras; portanto deve comportar-se como anti-guerra praticamente sob quaisquer circunst�ncias. Como frequentemente � necess�rio guerrear para acabar com a guerra (por exemplo, a Segunda Guerra Mundial foi necess�ria para acabar com Auschwitz), o verde normalmente fica paralisado em face da real agress�o mundial, insistindo em deitar-se na frente dos tanques nazistas, como se isso fosse det�-los. Mas enquanto o verde se v� protestando contra as agress�es, sente-se relativamente feliz. O pior que pode ser dito desses protestantes � que s�o essencialmente "facilitadores de Saddam" (exatamente como Neville Chamberlain foi um facilitador de Hitler). O melhor que se pode dizer � que esses indiv�duos servem � Espiral completa, sensibilizando mais pessoas contra os horrores da agress�o.

Quanto aos l�deres mundiais � algum diz algo que se assemelhe a uma vis�o integral? O �nico l�der mundial que se aproxima um pouco, na minha opini�o, � Tony Blair. Blair � praticamente sozinho, me parece � tem uma razo�vel consci�ncia das variadas perspectivas e chega a conclus�es (e a linhas-de-a��o) baseando-se num quadro mais amplo. Ele insiste que a situa��o geral do Iraque seja ajustada num contexto de uma pol�tica de "duas na��es", com respeito � Palestina e a Israel, "concedendo" assim �s na��es �rabes algo em troca, por assim dizer (mas algo que deveria ser dado de qualquer maneira). Blair, quase sem ajuda, senta-se entre a Am�rica e a Europa, gritando para ambos: voc�s n�o podem come�ar a competir e lutar entre si � este caminho leva a mais pesadelos do que possam imaginar. Blair, como o colosso de Rodes, tem um p� na Am�rica e outro na Europa e, heroicamente, parece ser o �nico l�der mundial que tenta manter essa integra��o. Al�m disso, ele, solitariamente, est� mantendo Bush orientado para a Organiza��o das Na��es Unidas (que � desprezada pelo meme azul americano). Nem pode ser acusado de "tentar proteger seus interesses em petr�leo", porque a Inglaterra � uma exportadora l�quida de petr�leo. Sua vis�o tem sido consistente, disciplinada, apaixonada, mas imparcial. Na minha opini�o, ele � a �nica pessoa com estatura de l�der mundial; podemos imaginar o desastre que seria a campanha de Bush para manter o mundo unido, sem Blair. (Um aparte sem querer ser indelicado, mas n�o se consegue imaginar o que se passa na mente de meme amarelo de Blair quando ele se re�ne sozinho numa sala com a mente de meme azul de Bush...). N�o causa nenhuma surpresa que Blair venha sendo um aut�ntico pioneiro na pol�tica da "terceira via" (cf. A Theory of Everything), que � um dos primeiros movimentos s�rios em dire��o a uma pol�tica integral, que una o melhor dos liberais e dos conservadores. Dada a situa��o real do mundo contempor�neo, a posi��o geral de Blair parece ser a melhor que, pragmaticamente, pode ser oferecida.

(Na minha opini�o, o principal item que falta no ponto de vista de Blair, para n�o mencionar outros importantes l�deres pol�ticos, � algum tipo sofisticado de perspectiva desenvolvimentista que, resumidamente, � uma das cinco importantes dimens�es de uma abordagem integral; ou seja, o aspecto dos "n�veis" dos "quadrantes, n�veis, linhas, estados e tipos". Um dos mais tristes efeitos n�o-integrais da lideran�a do mundo atual � o tumulto causado pelas democracias ocidentais, que acreditam poder plantar uma democracia de meme laranja, com laivos de sensibilidade de meme verde, no meio de um deserto de meme vermelho, e que ela germinar�. Isto n�o � pol�tica mundial, isto � "Jo�o e o P� de Feij�o". Todo mundo nasce na estaca zero. A menos que haja uma saud�vel infra-estrutura azul � seja em guetos urbanos ou tribos do Oriente M�dio � n�o existe lugar para a juventude vermelha ir; assim, ela acaba presa a uma estrutura de l�deres guerreiros. For�ar "democracia" em tais culturas simplesmente resulta, como n�o poderia deixar de ser em qualquer lugar, na elei��o livre de ditadores militares. Escusado dizer que este � um t�pico complexo; novamente convido os leitores a consultar A Theory of Everything para uma vis�o geral, bem como o site integralinstitute.org)

O que me chama a aten��o nos debates altamente emocionais sobre a guerra no Iraque � como todas as discuss�es est�o profundamente imersas em disputas de valores de primeira-camada. Tanto os defensores azuis-laranja de Bush, quanto a m�dia (e protestantes) laranja-verde, apresentam relatos extremamente distorcidos, tendenciosos e preconceituosos dos acontecimentos. Constantemente, fico perplexo com a estreiteza brutal de uma dada perspectiva, mesmo (e algumas vezes principalmente) quando se apresenta como cuidadosa, inclusiva e compassiva. Existe muita verdade em cada lado do debate, mas n�o a verdade completa, como ambos os lados clamorosamente afirmam possuir.

Anseio por uma discuss�o onde possa florescer uma abertura integral. Anseio por um grupo de l�deres mundiais que possam vislumbrar um quadro maior, permitindo, realmente, que todos os sistemas de valores existam, mas que somente seja tolerado o comportamento globoc�ntrico. Anseio por esta boba vis�o ut�pica de uma Federa��o Mundial, onde "todos est�o certos", mas somente se alguns estiverem mais certos do que outros (por exemplo, globoc�ntrico � mais correto do que etnoc�ntrico; vide Excerto B "Three Principles Helpful for Any Integrative Approach" [postado no site wilber.shambhala.com]). Anseio por liberdade e plenitude de consci�ncia integral, compartilhadas pelo maior n�mero poss�vel de seres sencientes. Anseio por um tempo quando um valor integral n�o seja odiado pelo verde e pelo azul. Mas, ai de mim, parece que estou condenado a ansiar, basicamente, em isolamento.

Assim mesmo, o mundo deve fazer o que tem a fazer. Minha cren�a � que, neste s�culo, assistiremos a atual Organiza��o das Na��es Unidas ser substitu�da, pacificamente, pelo primeiro movimento rumo a uma genu�na Federa��o Mundial, impulsionada, particularmente, por amea�as globais, que n�o podem ser controladas em n�vel nacional (tais como terrorismo, pol�tica econ�mica e monet�ria mundial e problemas ambientais globais).

Acredito que a primeira Federa��o Mundial, provavelmente, ser� laranja-verde. Minha esperan�a � que seja o verde saud�vel, mas quem vai saber? Acredito que essa Federa��o Mundial Verde dar� passos substanciais em dire��o � harmonia global, mas, no final, enfrentar� as limita��es e contradi��es inerentes �s perspectivas de primeira-camada. Emergir� o equivalente a uma pol�cia-do-pensamento-politicamente-correto mundial - uma Inquisi��o verde, se preferirem - cujas brutalidades sutis, acompanhadas por uma s�rie de acontecimentos extremamente desagrad�veis, levar�o uma Federa��o Mundial de segunda-camada, amarela, a assumir o poder. Mas isto, creio, ser� daqui a um s�culo ou mais.

At� ent�o - e considerando que hoje nenhum governo, nenhum movimento de protesto e nenhuma pol�tica nacional ou internacional s�o integrais - somos for�ados a perguntar: o que, pessoalmente, posso fazer, em face das terr�veis circunst�ncias atuais? Aqui, somente posso repetir o que disse em meu coment�rio anterior, e o fa�o com profunda convic��o:

Infelizmente, o mundo necessita de a��o integral. Infelizmente, n�o a conseguiremos, indo ou n�o � guerra. Assim, � melhor acender uma vela do que reclamar da escurid�o. Portanto, trabalhemos em n�s mesmos e tentemos aumentar nossa pr�pria consci�ncia integral, um passo a cada dia, de modo que, no final, deixemos o mundo um pouquinho mais inteiro do que o encontramos�

1� vers�o: 14 de abril de 2003
2� vers�o: 16 de abril de 2003 (novo: Tony Blair como um l�der mundial "integral")
3� vers�o: 16 de abril de 2003 (novo: principal ponto fraco da pol�tica de Blair)

  1. Falando sobre Tudo, CD duplo com entrevista de Ken Wilber. (N.T.)
  2. TQTN � a abreviatura em Portugu�s para a Matriz Integral de Wilber: "Todos os Quadrantes, Todos os N�veis, Todas as Linhas, Todos os Estados, Todos os Tipos". Em Ingl�s, AQAL - "All Quadrants, All Levels". (N.T.)
  3. Na terminologia dos Quatro Quadrantes, o Lado-Esquerdo corresponde aos aspectos interiores (intencionais e culturais) e o Lado-Direito, aos aspectos exteriores (comportamentais e sociais). (N.T.)



Tradu��o de Ari Raynsford ([email protected])